ORIGENS DO SINDICALISMO NO BRASIL (SINDFA)
CLASSE OPERÁRIA
Sua origem remonta nos últimos anos do século XIX e está vinculada ao processo de transformação de nossa economia, cujo centro agrário era o café: substituição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado; transferência do lucro do café para a indústria; e poder político nas mãos dos cafeicultores. Suas primeiras formas de organização foram: 1. Sociedades de socorro e ajuda mútua; e 2. União operária, que com o advento da indústria passou a se organizar por ramo de atividade dando origem aos sindicatos.
• 1720 - Um dos primeiros e mais importantes movimentos grevistas ocorreu no Porto de Salvador, na época o maior das Américas
• 1858 - Primeira Greve - Tipógrafos do Rio de Janeiro, contra as injustiças patronais e reivindicaram aumentos salariais.
• 1892 - I Congresso Socialista Brasileiro. O objetivo da Criação do Partido Socialista Brasileiro não foi atingido.
• 1902 - II Congresso Socialista Brasileiro - Influência de Marx e Engels. Obs: Ler trecho do Manifesto página 49.
• 1906 - I Congresso Operário Brasileiro. Um total de 32 delegados na sua maioria do Rio e São Paulo, lançou as bases para a fundação da Confederação Operária Brasileira (C.O.B.). Nese Congresso participaram as duas tendências existentes na época: 1. Anarco-Sindicalismo, negava a importância da luta política privilegiando a luta dentro da fábrica através da ação direta. Negava também a necessidade de um partido político para a classe operária. 2. Socialismo. Reformista, tendência que propunha a transformação gradativa da sociedade capitalista, defendia a Organização Partidária dos Trabalhadores e participava das lutas parlamentares. A ação anarquista começa a se desenvolver entre 1906 até 1924.
• 1913 e 1920 - II e III Congresso Operário, tentando reavivar a Confederação Operária Brasileira. Desde essa época o governo tentava controlar o movimento sindical. Exemplo disso foi o Congresso Operário de 1912, que teve como presidente honorário Hermes da Fonseca, então presidente da República A greve teve peso expressivo em São Paulo, mas se estendeu em diversos estados.
• Sindicatos Amarelos (luta imediatista) Nesta época, as lideranças sindicais eram obedientes à ordem burguesa. Embora dirigissem categorias combativas como os ferroviários e marítimos, conciliavam com o Estado. Enquanto isso, os Anarco-Sindicalistas, ao deflagrarem uma greve, viam como um momento da greve geral que destruiriam o capitalismo.
Auge do movimento anarquista
• A crise de produção gerada pela Primeira Guerra Mundial e a queda vertiginosa dos salários dos operários, caracterizou-se por uma irresistível onda de greves - 1917 a 1920.
• 1917 - Greve geral. Em São Paulo, iniciada numa fábrica de tecidos e que recebeu a solidariedade e adesão inicial de todo o setor têxtil, seguindo as demais categorias. De 2.000 trabalhadores parados
Superação do Anarquismo - Suas limitações
• Reivindicações exclusivamente econômicas;
• Negação da luta política;
• Não exigia do estado sequer uma legislação trabalhista;
• Não admitiam a existência de um partido político operário;
• Não aceitavam alianças com os setores subalternos da sociedade.
Por estas e outras razões, o movimento Anarco-Sindicalista entrou num isolamento tornando-se presa fácil do Estado e de sua força policial repressora. Pode-se inclusive dizer que os anarquistas não conseguiram, na atuação concreta, ir além dos reformistas amarelos. Embora conciliassem com o Estado, também não o questionavam, limitando sua participação através de reivindicações econômicas.
A influência da Revolução Russa, permitiu que uma dissidência anarquista fundasse, em 1922, o PCB - Partido Comunista Brasileiro, atraindo um número expressivo de trabalhadores para o comunismo. O PCB marcou o início de uma nova fase no movimento operário brasileiro. O objetivo do PCB era dirigir a revolução no Brasil. Apesar da ilegalidade imposta ao partido alguns meses após sua fundação, o PCB passou a editar, como órgão do partido, a revista Movimento Comunista, ainda nesse ano. Publicou em seguida o Manifesto Comunista e em 1925 iniciou a publicação do jornal A Classe Operária, com tiragem inicial de 5.000 exemplares, que logo foi aumentada. .
Em 1929 criou-se a Federação Regional do Rio de Janeiro e no mesmo ano foi realizado o Congresso Sindical Nacional, que congregou todos os sindicatos, influenciado pelos comunistas, quando se originou a CGT - Central Geral dos Trabalhadores. Mesmo assim, o Estado continua tentando cooptar os sindicatos,
• 1922 - Movimento Tenentista. Oposição à burguesia do Café - coluna Prestes.
• Revolução de 1930 - Conciliação entre os interesses agrários e urbanos, excluindo qualquer forma de participação da classe operária.
• Eleições de 1930. O bloco operário e camponês (PCB na ilegalidade) candidatou Minervino de Oliveira. O eleito foi Julio Prestes, representante da burguesia cafeeira, no entanto um movimento militar barrou sua posse, resultando a ida de Vargas ao poder. Inicia-se uma nova fase no sindicalismo brasileiro.
Era Vargas
• 1930 - O Ministério do Trabalho procura conter o operariado dentro dos limites do Estado burguês. Política de conciliação entre capital e trabalho.
• Lindolfo Collor, 1º Ministro do Trabalho. Lei sindical de 1931 (Decreto 19770), cria os pilares do sindicalismo oficial no Brasil. Controle financeiro do Ministério do Trabalho sobre os sindicatos. Definia o sindicalismo como órgão de colaboração e cooperação como Estado.
A maioria dos sindicatos resistiram até meados de 1930. Somente alguns sindicatos (25%) do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul aderiram a esta lei. O movimento grevista foi intenso, conseguindo algumas conquistas como: Lei de Férias, descanso semanal remunerado, jornada de 8 horas, regulamentação do trabalho da mulher e do menor, entre outros. Algumas destas leis já existiam apenas para as categorias de maior peso, como ferroviários e portuários. Nesse momento estendeu-se a todos os trabalhadores.
Nessa época predominavam no seio do movimento operário, algumas tendências, como: Anarco-Sindicalistas - Federação Operária de São Paulo
Socialistas - Coligação dos sindicatos proletários de 1934. Lutavam pela completa autonomia sindical.
Comunistas - 1934 - Federação Sindical Regional no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em 1935 realizam a Convenção Nacional de Unidade dos Trabalhadores, reunindo 300 delegados representando 500.000 trabalhadores, quando reorganizam a Confederação Sindical Unitária, central sindical de todo o movimento operário no Brasil.
Junto com as lutas sindicais cresciam também as mobilizações das massas trabalhadoras. Em março de 1934, é fundada a Aliança Nacional Libertadora, dirigida pelo PCB, já com Luis Carlos Prestes. Foi citado no VII Congresso da Internacional Comunista como exemplo de frente popular democrática - 400.000 membros. No dia 4 de abril desse ano, foi realizado o primeiro comício da ANL. O governo reprimiu e decretou a Lei de Segurança Nacional, proibindo o direito de greve e dissolvendo a Confederação Sindical Unitária. Alguns meses depois, Felinto Müller coloca a ANL na ilegalidade, estes optaram pelo levante armado e foram violentamente reprimidos. Foram criados o Estado de Sítio e a Comissão de Repressão ao Comunismo
Em 1939, Decreto-Lei 1402. O enquadramento sindical, que tinha a função de aprovar ou não a criação de sindicatos. Este órgão era vinculado ao ministério do Trabalho. Nesse mesmo ano criou-se o imposto sindical.
Ressurgimento das lutas sindicais - 1945 a 1964
• Debilidade do Estado Novo;
• Avanço das oposições;
• 1943 - Manifesto dos mineiros, oposição liberal;
• 1945 - O movimento popular, sob o comando do PCB, conquista a anistia ampla e irrestrita, libertando os presos políticos, comunistas que estiveram presos durante todo o Estado Novo. Legalização do PCB;
• Dezembro de 1945 - Eleições presidenciais. Convocação de Assembléia Nacional Constituinte;
• Lei Antitruste - Desapropriadas empresas estrangeiras lesivas aos interesses nacionais;
• Fechou-se a Organização Sociedade Amigos da América, representante do imperialismo norte-americano;
• Reatam-se as relações diplomáticas com URSS. Vargas é deposto e no mesmo ano acaba a intervenção do Ministério do Trabalho nos sindicatos;
• 1945 - Criou-se o MUT - Movimento Unificador dos Trabalhadores. Objetivos: romper com a estrutura sindical vertical; retomar a luta da classe operária; liberdade sindical; fim do DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda; enfim do Tribunal de Segurança Nacional;
• Setembro de 1946 - Congresso Sindical dos Trabalhadores do Brasil, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, 2.400 delegados. Os comunistas criam a Confederação Geral dos Trabalhadores;
• Golpe de 29 de outubro de 1945. Reacionário e anti-popular, freou os avanços das classes populares. Apesar do golpe nas eleições de dezembro de 1945, o PCB, que em poucos meses de legalidade tornou-se o maior partido comunista da América Latina com cerca de 200.000 membros, conseguiu 10% de eleitorado para presidente da República. Elegeu 14 deputados e um senador, Luis Carlos Prestes, o mais votado da República.
Apesar do avanço dos setores operários e populares, a elite conservadora através da União Democrática Nacionalista - UDN e PSD, detinham 70% do parlamento e com isso barrava todas as investidas do PCB que na ação parlamentar fazia alianças com o PTB.
• 1946 - Dutra proibiu a existência do MUT e suspendeu as eleições sindicais.
• 1947 - Determina a ilegalidade do PCB, cassando o mandato de seus representantes no parlamento.
• 1950 - Último governo Vargas. Novamente o movimento sindical atinge grande dimensão.
• 1940 a 1953 - a Classe trabalhadora dobra seu contingente. 1.500.000 trabalhadores nas indústrias. As greves tornam-se constantes.
• 1951 - Quase 200 paralisações - 400.000 trabalhadores.
• 1952 - 300 paralisações.
• 1953 - Luta da classe operária contra a fome e a carestia atingiu cerca de 800.000 operários. Só em São Paulo realizaram-se mais de 800 greves. Neste ano realizou-se a greve dos 300.000 trabalhadores de São Paulo (trabalhadores de empresas têxteis, metalúrgicos e gráficos), participação intensa do PCB. Foram movimentos de cunho político, acima das reivindicações econômicas. Reivindicavam liberdade sindical, contra a presença das forças imperialistas, em defesa das riquezas nacionais - campanha pela criação da Petrobrás e contra a aprovação e aplicação do Acordo Militar Brasil - EUA. Foi criado o pacto de Unidade Intersindical, depois transformou-se no PUA (Pacto de Unidade e ação). Criou-se também o PIS (Pactos Intersindicais) na região do ABC. A indústria têxtil estava concentrada sobretudo nos bairros paulistas. Nos anos 1950 e 1960 as grandes greves da região foram resultados de ações intensas dos sindicatos para as campanhas salariais.
• 1924 - 1974 - A grande revolta de 1924 em São Paulo levou o governo federal atacar a maior capital do país, expulsando estrangeiros de e atingindo os anarquistas que tinham muito peso principalmente na colônia italiana. Meio século depois, o movimento proletário cresceu surgindo o novo sindicalismo, que retomou as comissões de fábrica, propondo um modelo de sindicato livre da estrutura sindical atrelada e uma ação classista. Esse fenômeno foi constituído inclusive pelo ABDC paulista (cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema). São Bernardo e Diadema integraram uma frente de esquerda, concluindo o PCB, tendo importante participação da AP, responsáveis por inúmeros movimentos de trabalhadores.
Retomada das lutas sindicais e criação do Comando Geral dos Trabalhadores - CGT
• 1960 - III Congresso Sindical Nacional. Fundação da CGT - Comando Geral dos Trabalhadores, para combater o peleguismo, principalmente da CNTI, dominada por Ari Campista.
• Governo JK - Juscelino Kubistchek - Sem novidades;
• Governo Jânio Quadros - 7 meses (1961);
• Governo João Goulart - Setembro de 1961 a 31 de março de 1964 Parlamentarismo. Janeiro de 1962, plebiscito, retorno ao presidencialismo.
No campo, os trabalhadores iniciaram seu processo de mobilização desde 1955 com o surgimento da 1ª Liga Camponesa, no Engenho Galiléa. Um ano antes, em 1954, foi criada a ULTAB - União dos Trabalhadores Agrícolas do Brasil. Pouco a pouco foi nascendo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. O movimento no campo tinha como bandeira principal a Reforma Agrária. As ligas camponesas eram dirigidas por Francisco Julião, e os sindicatos rurais pelo PCB.
• 1963 - Fundação da CONTAG.
• 13 de Março de 1964 - Comício na Central do Brasil, Rio de Janeiro, 200.000 pessoas pelas reformas de base.
• Represária da elite conservadora à Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade.
31 de Março de 1964 - A longa noite do sindicalismo brasileiro
•1966 - Acaba a estabilidade no emprego e cria-se o FGTS
Retomada do movimento operário
• 1967 - Cria-se o Movimento Intersindical anti-Arrocho (MIA). Participaram os sindicatos dos metalúrgicos de São Paulo, Santo André, Guarulhos, Campinas e Osasco para colocar um fim ao arrocho salarial. Só o sindicato de Osasco propunha avanços fora dos limites impostos pelo Ministério do Trabalho.
• 1968 - Greve de Osasco, sob o comando de José Ibrahim. Iniciada em 16 de julho, com a ocupação da Cobrasma. No dia seguinte, o Ministério do Trabalho declarou a ilegalidade da greve e determinou a intervenção no sindicato. quatro dias depois, os operários retornam ao trabalho. Em outubro de 1968 a greve em Contagem também contra o arrocho salarial, que também foi reprimida, vencendo o movimento quatro dias depois.
• Maio de 1978 - (Dez anos depois). As máquinas param, a classe operária volta em cena. Março de 1979, os braços novamente estão cruzados. começa a nascer a democracia.
• 12 de março de 1978. Os trabalhadores marcam cartão mas ninguém trabalha. Das 7 até às 8 horas. A Scania do Grande ABC é a primeira fábrica a entrar em greve.
• 1979 e 1989. Primeira grande greve do ABCD e a campanha de Luis Inácio Lula da Silva para presidente.
• Fizeram letra morta toda legislação sindical repressiva.
• 1981 - O Partido dos Trabalhadores cresce.
• 1983, 1992 e 1995. Greve dos PETROLEIROS.
• Agosto de 1983 - Nasce a Central Única dos Trabalhadores - CUT. Sindicalismo classista e de massas, combativo. Classista porque não reduz o trabalhador a um vendedor da força de trabalho, ainda que parta desta condição imposta pelas relações capitalistas de trabalho para desenvolver sua ação sindical.
O sindicalismo classista considera o trabalhador dentro de um horizonte mais amplo, como classe produtora de riqueza social. duas características básicas definem o sindicalismo classista e de massas da CUT: 1. Sua luta por atrair a maior participação possível de trabalhadores; 2. sua capacidade de organizá-los em oposição à classe burguesa. Portanto o caráter classista da CUT implica em articular as lutas imediatas com o projeto histórico da classe trabalhadora. E, nesta condição, assumir o socialismo como perspectiva geral, sempre procurando a participação de todos os trabalhadores, inclusive dos que sequer ainda chegaram ao sindicato.
CGT
• Conciliação de classes;
• Estrutura sindical facista e burocrática anti-democrática;
• Peleguismo, imposto pelo Golpe Militar de 1964;
• Sindicalismo de resultados;
• Populismo;
• Controle do estado sobre a estrutura sindical.
Força Sindical
• A decomposição acelerada do peleguismo tradicional e o crescimento da CUT colocaram a necessidade dos empresários e do Estado forjarem uma opção confiável. Uma opção que aceite e não busque romper com os limites consentidos pela classe dominante para a prática sindical, o Neopeleguismo.
• Sindicalismo de negócios para defender o capitalismo como opção histórica com uma prática desvinculada dos partidos operários e com objetivo de promover a conciliação de classes.
Pensamento da CUT
• Sindicatos e partidos fazem parte do mesmo movimento: a emancipação definitiva da classe trabalhadora como obra dos próprios trabalhadores.
FONTE: Texto retirado do site do SINTSEF.
O sindicalismo no Brasil
Adriane Lemos Steinke
Acadêmica do 10º período da Faculdade de Direito de Curitiba/PR
Existem registros históricos que indicam a existência de confrarias com natureza administrativa e fins religiosos que são comumente confundidas com as corporações, que embora tenham surgido nas principais cidades do país, como São Paulo, Rio de Janeiro e Olinda, também não devem ser confundidas com as corporações medievais.
Seja como for, não se pode ignorar que a Constituição Imperial de 1824 em seu artigo 179 tenha abolido as corporações do ofício, simultaneamente à proclamação da liberdade de trabalho, facultando, portanto, ao trabalhador o direito de associação, o que posteriormente resultaria na organização dos sindicatos.
Embora, no Império, o desenvolvimento industrial no Brasil ainda não fosse tão expressivo a ponto de criar um ambiente propício para o sindicalismo, pode-se pontuar a existência de algumas entidades como a Liga Operária (1870) e a União Operária (1880) que tinham como principal finalidade reunir e defender os trabalhadores que as compunham.
No início do século XX foram criadas várias associações de classe, tais como, a União dos Operários Estivadores em 1903; a Sociedade União dos Foguistas, também em 1903; a União dos Operários em Fábrica de Tecidos em 1917, entre outras, que embora não possuíssem caráter sindical já demonstravam interesse quanto a significação social do sindicalismo e a importância dos movimentos operários.
Em 1920 surge a Confederação Geral dos Trabalhadores já com tendências nitidamente marxistas, a qual se opôs veementemente à Confederação Nacional do Trabalho provocando uma profunda cisão doutrinária da classe operária, que, entretanto, durou pouco tempo, visto que poucos meses depois de instalada a Confederação Geral dos Trabalhadores foi declarada extinta por ato governamental, pois o governo queria impedir que idéias socialistas e comunistas ditassem as contornos da ação sindical no Brasil.
Em janeiro de 1907, com a promulgação do Decreto n. 1637, facultou-se a todas as classes de trabalhadores a formação de sindicatos, inclusive para profissionais liberais. A edição deste decreto estimulou a criação e surgimento de vários sindicatos, sob diversas designações, todas com frágil poder de pressão, isto porque, foram muitas as dificuldades enfrentadas pelos primeiros líderes do movimento sindical brasileiro, vez que, eram perseguidos tanto pelo governo quanto pela classe de empregadores. Exatamente os grandes empresários eram os mais irascíveis no combate à organização de qualquer forma de associação, penalizando àqueles que corajosamente insistiam pela constituição de associações ou sindicatos.
É neste quadro contrário que começa a se desenvolver em 1930 uma legislação trabalhista. Assim, em 1931 houve a promulgação do Decreto n. 19.770 de 19 de março, que pode ser considerada a primeira lei sindical brasileira.
É mister pontuar que não obstante as estatísticas da época tenham indicado que com a promulgação do Decreto de 1931, estivesse aberta uma nova fase para a organização sindical no Brasil, – no mês de junho de 1931 já haviam sido expedidas aproximadamente quatrocentas cartas a sindicatos de trabalhadores e mais de setenta a sindicatos de empresários –, também não se pode ignorar que referido Decreto possuía em seu bojo a franca intenção de retirar o sindicato da esfera privada para transformá-lo em pessoa de Direito Público atrelado diretamente ao governo. Por óbvio esta orientação sagrou-se em uma natural inclinação do Decreto n. 19.770/31, pela unicidade sindical.
Em relação à organização sindical, a Constituição Federal de 1934, no artigo 120, impôs ao legislador ordinário a adoção do princípio da pluralidade.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1937, que substitui de forma ditatorial a chamada Carta Democrática de 1934, foi novamente consagrado o comando rígido do princípio da unicidade, subordinando o sindicato ao Ministério do Trabalho.
Esta mesma orientação serviu como base para o legislador ordinário, revelando-se nitidamente na elaboração da Consolidação das Leis do Trabalho em 1943.
A carta de 1937, de cunho eminentemente totalitário, foi revogada pela Constituição Federal de 1946, a qual, não obstante sua natureza liberal, conservou, em relação à organização sindical, o princípio da unicidade, princípio este que manteve-se inalterado nas Constituições de 1967 e 1969, e mesmo causando grande estranheza, permaneceu incólume na Constituição Federal de 1988, de acordo com o comando expresso em seu artigo 8º, inciso II, como dispõe, in verbis:
A despeito das boas intenções do Constituinte de 1988, que visa a estabelecer um regime de efetiva democracia sindical, ao proclamar a liberdade de associação; ao proibir a intervenção do Estado na concessão de autorizações prévias para a fundação de sindicatos; ao garantir a autonomia das entidades de classe; ao conceder ao sindicato amplo poder de representação; e assim por diante, deve-se, no entanto, evidenciar que o diploma de 1988 esbarra em duas normas obsoletas adotadas sob a égide do lobby do sindicalismo oficial, que afrontam a democracia sindical pretendida pelo artigo 8º da Constituição Federal de 1988, quais sejam:
a) unicidade sindical, prevista no inciso II do artigo 8º da Constituição Federal de 1988;
b) contribuição sindical, prevista no inciso IV, do artigo 8º da Constituição Federal de 1988, além de estar configurada nos artigos 578 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho, que apesar de não ser imposta é admitida pelo Constituinte.
Neste ponto do presente estudo, faz-se mister ressaltar que embora o regime totalitário adotado pela Consolidação das Leis do Trabalho, oriundo inclusive da orientação do Direito Constitucional anterior, em que não havia probabilidade jurídica para a criação de centrais sindicais, estas entretanto foram organizadas e nasceram então a Central Única dos Trabalhadores (CUT); a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) e a Força Sindical, que são atualmente as três mais importantes centrais em funcionamento no país.
No entendimento do eminente autor Mozart Victor Russomano: “A criação e a atuação dessas super confederações é, mais uma vez, a prova de que continua válida a antiga constatação de que, muitas vezes, os fatos se rebelam contra as normas jurídicas e, nessa rebelião, vencem-nas, jogando-as à penumbra do desuso”.1
NOTAS:
1 RUSSOMANO, Mozart Victor. Princípios Gerais de Direito Sindical. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 34
Retirado do site: https://www.ambito-juridico.com.br/aj/dtrab0046.htm
HISTÓRIA DO SINDICALISMO NO BRASIL
"Que ninguém mais ouse duvidar da
capacidade de luta da classe trabalhadora" - Lula
A indústria brasileira se desenvolveu tardiamente em relação às grandes potências capitalistas. Na passagem dos séculos 19 e 20, a economia brasileira era ainda predominantemente agrícola.
No início do século 20, jornadas de 14 ou 16 horas diárias ainda eram comuns. Assim como a exploração da força de trabalho de mulheres e crianças. Os salários pagos eram extremamente baixos, havendo reduções salariais como forma de punição e castigo. Todos eram explorados sem qualquer direito ou proteção legal. A primeira greve no Brasil foi a dos tipógrafos do Rio de Janeiro, em 1858, contra as injustiças patronais e por melhores salários.
Os imigrantes, enganados com promessas nunca cumpridas, trouxeram experiências de luta muito mais avançadas do que as que haviam no Brasil, e é a partir deles que se organizou o anarquismo, que foi a posição hegemônica mo movimento operário brasileiro no período de nascimento e consolidação da indústria.
Existiam outras posições de menor influência política entre a classe, como a dos socialistas, que fundaram o primeiro partido operário no país em 1890, e que, mais tarde, adotaram as teses da 2ª Internacional, especialmente, a comemoração do 1º de Maio como data internacional da classe trabalhadora.
Em abril de 1906, realizou-se no Rio de Janeiro, o 1º Congresso Operário Brasileiro, com a presença de vários sindicatos, federações, ligas e uniões operárias, principalmente do Rio e São Paulo. Nascia a Confederação Operária Brasileira (COB), a primeira entidade operária nacional.
Mas a reação patronal e do governo não demorou. Em 1907, foram expulsos do país 132 sindicalistas. A crise de produção gerada pela 1ª Guerra Mundial e a queda vertiginosa dos salários dos operários, caracterizou-se por uma irresistível onda de greves entre 1917 e 1920. A greve de 1917 paralisou São Paulo e chegou a envolver 45 mil pessoas. O governo convocou as tropas do interior e 7 mil milicianos ocuparam a cidade. O ministro da Marinha enviou dois navios de guerra para o porto de Santos. A repressão era total sobre os trabalhadores. Num dos choques com a polícia, foi assassinado o operário sapateiro Antonio Martinez. Mais de 10 mil pessoas acompanharam o enterro. Em 1919, Constantino Castelani, um dos líderes da União Operária, foi morto por policiais quando discursava em frente a uma fábrica.
As limitações do ideário anarquista, entretanto, permitiram o isolamento do movimento, tornando-se presa fácil do Estado e de sua força policial repressora. A revolução soviética, em 1917, apontava para a formação de um partido e a redefinição do papel do Estado.
Com a "Revolução de 1930", liderada por Getúlio Vargas, é iniciado um processo de modernização e consolidação de um Estado Nacional forte e atuante em todas as relações fundamentais da sociedade. Vargas acabaria atrelando a estrutura sindical ao Estado, destruindo todas as bases sociais e políticas em que tinha se desenvolvido o movimento sindical no período anterior.
A partir da década de 30, o Brasil passou a ser um país industrial e a classe operária ganhou uma importância maior. O conflito entre capital e trabalho passou a ser tratado como uma questão política. Por um lado, criou uma estrutura sindical corporativista, dependente e atrelada ao Estado, inspirada no Fascismo italiano; por outro, criou o Ministério do Trabalho, a Justiça do Trabalho e a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). A fundação dos sindicatos oficiais, a criação do imposto sindical e a política populista de Getúlio Vargas estimularam o surgimento dos pelegos.
A palavra pelego, que originalmente significa a manta que se coloca entre o cavalo e a sela de montar, passou a ser utilizada para classificar os dirigentes sindicais que ficavam amortecendo os choques entre os patrões e o cavalo que, no caso, era a própria classe trabalhadora.
Categorias e sindicatos combativos, no entanto, ainda resistiam. E obtiveram conquistas importantes como a Lei de Férias, descanso semanal remunerado, jornada de oito horas, regulamentação do trabalho da mulher e do menor, entre outros.
Junto com as lutas sindicais cresciam também as mobilizações das massas trabalhadoras. Em março de 1934, é fundada a Aliança Nacional Libertadora, dirigida pelo PCB, já com Luís Carlos Prestes..
Entre 1940 e 1953, a classe trabalhadora dobra seu contingente. Já são 1,5 milhão de trabalhadores nas indústrias e as greves tornam-se freqüentes. Em 1947, sob o governo do marechal Dutra, mais de 400 sindicatos sofreram intervenção. Em 1951, houve quase 200 paralisações; em 1952, 300. Em 1953, foram 800 greves, a maior delas com 300 mil trabalhadores de empresas têxteis, metalúrgicos e gráficos. Participação intensa do PCB e reivindicações que não eram apenas econômicas: liberdade sindical, campanha pela criação da Petrobras, em defesa das riquezas nacionais e contra a aprovação e aplicação do Acordo Militar Brasil-EUA.
No campo, os trabalhadores iniciaram seu processo de mobilização. Em 1955, surge a 1ª Liga Camponesa. Um ano antes, foi criada a União dos Trabalhadores Agrícolas do Brasil. Pouco a pouco foram nascendo os sindicatos rurais.
O golpe militar de 1964 significou a mais intensa e profunda repressão política que a classe trabalhadora enfrentou na história do país. As ocupações militares e as intervenções atingiram cerca de 2 mil entidades sindicais em todo o país. Suas direções foram cassadas, presas e exiladas. A desarticulação, repressão e controle do movimento foram acompanhados de uma nova política de arrocho de salários, da lei antigreve nº 4.330 e do fim do regime de estabilidade no emprego. A ditadura passou a se utilizar de práticas de tortura, assassinatos e censura, acabando com a liberdade de expressão, organização e manifestação política.
Na década de 70, principalmente, começa a surgir um novo sindicalismo, que retomou as comissões de fábrica e propôs um modelo de sindicato livre da estrutura sindical atrelada. Este fenômeno aparece com maior nitidez no ABCD paulista (cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema).
Surge, também, a mais expressiva liderança sindical brasileira de todos os tempos: Luiz Inácio da Silva, o Lula, que em 1969 participa pela primeira vez da diretoria de um sindicato, como suplente.
No dia 12 de maio de 1978, os trabalhadores da Saab-Scania do Brasil, em São Bernardo do Campo (SP), entraram na fábrica, bateram o cartão de ponto, vestiram seus macacões, foram para os seus locais de trabalho diante das máquinas, mas não as ligaram: cruzaram os braços. No momento, eles não poderiam imaginar que com aquele gesto, aparentemente simples, estavam abrindo o caminho de uma nova proposta sindical para o Brasil. A greve desafiou o regime militar e iniciou uma luta política que se estendeu por todo o país. No contexto das mobilizações populares que se seguiram, surgiram manifestações em defesa das liberdades democráticas e contra a ditadura militar, entre elas, a luta pela anistia e pelas Diretas Já.
Em 1980, sindicalistas, intelectuais e representantes do movimento popular fundam o Partido dos Trabalhadores, com a proposta de estabelecer um governo que represente os anseios da classe trabalhadora.
Nos dias 24, 25 e 26 de agosto de 1984, é realizado em São Bernardo, o 1º Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT) com a participação de 5.260 delegados eleitos em assembléias, de todos os estados do país, representando 937 entidades sindicais. Foram lançados os princípios de uma nova proposta sindical, que vem mudando o país e que culminou com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência do Brasil, em 27 de outubro de 2002.
Fontes:
Retirado do site: https://www.sintrafesc.org.br/sindicalismo.php
- Imagens da Luta 1905-1985. Aloízio Mercadante Oliva e Luis Flávio Rainho, coordenadores, e outros. Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de São Bernardo do Campo e Diadema.
- Site do Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal do Estado da Bahia (Sintsef/BA)
A FLEXIBILIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL
Roberto Murillo de Souza Filho
Considerada pelo governo federal fundamental para a consolidação democrática no país, a reforma sindical e trabalhista, nesta ordem de apresentação e modificação, vem tomando conta do cenário das discussões sobre o mundo do trabalho na sociedade brasileira.
O objetivo governamental, entre outros, para a reforma, é “atualizar a legislação trabalhista e torná-la mais compatível com as novas exigências do desenvolvimento nacional, de maneira a favorecer a democratização das relações de trabalho” e “para alcançar esses objetivos, as alterações no marco normativo constitucional e infraconstitucional” deverão ter como premissa “conferir maior efetividade às leis do trabalho e adequá-las às novas características do mundo do trabalho além de estimular a autocomposição de conflitos trabalhistas e sua resolução por meio da conciliação, mediação e arbitragem voluntárias”.[1]
O governo Lula pretende assim, consolidar a democracia no país alterando a forma organizacional dos trabalhadores – o fim do imposto sindical e da unicidade estão entre as principais propostas – e neste momento de reordenamento e reestruturação dos sindicatos, modificar a consolidação das leis do trabalho para torná-la mais condizente ao processo de transformações no mundo do trabalho decorrente do processo de transformações do capitalismo em escala mundial com significativos reflexos no Brasil.
Este processo de Reestruturação Capitalista que assume “várias formas societais ocorrendo de modo desigual, mas combinado, nos vários países capitalistas centrais e periféricos do mercado mundial [...] se desenvolve numa dimensão temporal longa, com várias fases de desenvolvimento, de acordo com a conjuntura política da luta de classes”.[2] É uma busca em superar a crise estrutural do capitalismo evidenciada pela grande crise econômica na primeira metade da década de 1970, de onde o capital financeiro eleva-se hegemônico e determinante na nova dinâmica de acumulação capitalista – a chamada acumulação flexível.[3]
A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado “setor de serviços, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas (tais como a “Terceira Itália”, Flandres, os vários vales e gargantas do silício, para não falar da vasta profusão de atividades dos países recém-industrializados). Ela também envolve um novo movimento que chamarei de “compressão do espaço-tempo” no mundo capitalista – os horizontes temporais da tomada de decisões privada e pública se estreitaram, enquanto a comunicação via satélite e a queda dos custos de transporte possibilitaram cada vez mais a difusão imediata dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e variegado. (Harvey, 1990,p.21)
Apoiando-se na flexibilidade dos processos de trabalho e dos mercados de trabalho a acumulação flexível do capital incidirá sua ofensiva na reestruturação produtiva (também na reestruturação política e na reestruturação cultural) baseada na lógica toyotista impondo em momentos de grande desemprego e enfraquecimento do poder sindical, regimes e contratos de trabalho mais flexíveis, desregulamentando desta forma a relação trabalho-capital e acentuando a precarização do trabalho com a terceirização, os contratos temporários, o banco de horas, a redução da jornada de trabalho com redução salarial entre outros aspectos que foram incorporados às relações de trabalho.
“A mescla de elementos predatórios, que ampliam a inseguridade típica da força de trabalho como mercadoria, e elementos de envolvimento, de caráter toyotista, é que sedimenta o peso ideológico da flexibilidade e da flexibilização da legislação trabalhista [...] alguns juristas buscam apresentar com positividade a flexibilização do Direito do Trabalho, ressaltando sua adaptabilidade às necessidades da empresa (e, por conseguinte, do próprio trabalhador assalariado) e seu caráter concertativo, pois supõe privilegiar o acordo entre as partes contratantes. O elemento paradoxal (e irônico) é que o apelo à livre negociação ocorre num período de crise estrutural do sindicalismo e de sua capacidade de mobilização de classe, além de ocorrer num cenário de desemprego massivo, o que demonstra o caráter ideológico visceral da lógica da flexibilização”. (ALVES, Giovanni. Flexibilização da Legislação Trabalhista-O Panorama Internacional.)
Importante considerar nesta análise são os desdobramentos sócio-técnicos da III Revolução Industrial, com o desenvolvimento da micro-eletrônica, da tecnologia digital e da robótica na
“constituição de um mundo do trabalho fluido [...] constituído pela utilização de novas técnicas de organização centradas no just-in-time/kanban, na produção de tempo real, exigindo fluxos de produção intermitentes e contínuos [...] de um mundo do trabalho difuso [...] constituído pelo desenvolvimento das formas de descentralização da produção de mercadorias, cuja expressão mais clara é a terceirização e a constituição de empresas-rede [...] e de um mundo de trabalho flexível [...] constituído pela introdução de novas tecnologias flexíveis de produção, adequadas a situações de mercados instáveis e de alta concorrência no mercado mundial”.(ALVES, Giovanni. O novo (e precário) mundo do trabalho.)
Submetido aos ditames desta modalidade de reprodução do capital, o mundo do trabalho fluido, difuso e flexível vem se caracterizando pela precarização crescente e pela subproletarização tardia – constituída pelos trabalhadores assalariados em tempo parcial, temporários ou subcontratados, seja na indústria ou nos serviços interiores (ou exteriores) à produção do capital (Alves, 1997:12) -, evidenciada no aumento do desemprego, na redução dos postos de trabalho e redução dos direitos dos trabalhadores em escala mundial.
Significativo deste processo é o relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2003 que estima em 185,9 milhões o número de desempregados no mundo (aproximadamente a população brasileira) e de cerca de 550 milhões o número de pessoas que vivem em condição de subemprego – renda diária inferior a US$ 1- além do aumento do trabalho informal.[4]
Outra evidência do processo corrosivo da reestruturação capitalista é a notícia que a Eastman Kodak, maior fabricante mundial de filmes fotográficos, irá demitir entre 12 mil e 15 mil trabalhadores até 2006 (no Brasil a Kodak possui duas unidades fabris que empregam 1230 funcionário) para se adequar ao crescimento da foto digital e cortar gastos da ordem de US$ 1 bilhão até 2007, decisão aplaudida pelo mercado financeiro fazendo as ações da empresa liderarem os ganhos da Bolsa de Nova York, nos negócios do dia 22 de janeiro de 2004.[5]
Em seu estudo sobre os Impactos das experiências internacionais de reforma trabalhista e os riscos da flexibilização da CLT no Brasil, Pochman acentua que os países desenvolvidos, reunidos em torno da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico), onde foram aplicados os princípios da flexibilização, a partir da década de 1980, buscando realizar “mudanças estruturais para alavancar o crescimento econômico sustentado”, agiram de modo a se apoiarem nas forças de mercado e sua desregulação e a lutar contra a rigidez do sistema de relações de trabalho, protegido pelo manto estatal, sistema que “foi o principal acusado pela situação de crise, sobretudo pela escassez de empregos para todos”. Acrescenta que, apesar dos resultados terem sido diferenciados “não apontaram para questões objetivas do ponto de vista do bem estar [...] o nível de emprego, refletido pela relação entre o total da ocupação e o total da população, não cresceu [...] não houve rebaixamento das taxas de desemprego [...] constatou-se o crescimento da precarização das condições e relações de trabalho notado pela elevação da participação do emprego parcial no total da ocupação”.Emprego parcial sem proteção trabalhista submetido às contingências da economia de mercado.
O quadro projetado para os países não desenvolvidos não difere do retratado acima. É, como aponta Pochman, desprovido de “elevação do nível de emprego, apontado pela relação entre a participação do emprego formal no total da ocupação”, com elevada “taxa de desemprego, bem como a redução, em geral, na cobertura da seguridade social no total de trabalhadores latino americanos”.
Citando fontes da OIT (2000) e da OCDE (1999), Pochman salienta que “as reformas trabalhistas, sem atingir os efeitos esperados, resultaram na precarização do emprego e maior desproteção social. Desta forma, não há como afirmar que o rigor dos mecanismos institucionais de proteção do emprego possa comprometer a geração de empregos”.
Curioso observar neste estudo é o fato desta reforma trabalhista já estar em curso no Brasil desde a década de 1990, tornando o mercado de trabalho brasileiro bastante flexível e com menor proteção social do emprego, porém, gerando desemprego e precarização da força de trabalho. Extraído dos estudos de Pochman, o quadro abaixo, nos dá o sentido tomado pela flexibilização empreendida durante a década neoliberal.
“Síntese da reforma trabalhista no Brasil”
Flexibilização |
Medida |
Objetivos |
Contratual
|
1. Cooperativa profissional ou de prestação de serviços. (Lei 8949/94); 2. Contrato por tempo determinado. (lei 9601/98); 3. Contrato por jornada parcial. (MP 1709/98);
4. Suspensão do Contrato de Trabalho. (MP 1726/98);
5. Denúncia da Convenção 158 da OIT. (decreto 2100/96); 6. Setor público: demissão (lei 9801/99 e lei complementar 96/99);
7. Trabalho temporário (Portaria 2, 29/06/96);
8. Contrato para micro e pequenas empresas (Lei do Simples 9517/96);
9. Terceirização (Portaria TEM de 1995 e Enunciado 331 do TST) |
1. Cria cooperativas de prestação de serviço, sem caracterização de vínculo empregatício (sem os direitos trabalhista da CLT) 2. Reduz critérios de rescisão contratual e as contribuições sociais; 3. Estabelece jornada de até 25 horas semanais, com salário e os demais direitos proporcionais e sem participação do sindicato na negociação. 4. Suspende o contrato de trabalho, por prazo de 2 a 5 meses, associado à qualificação profissional, por meio de negociação entre as partes; 5. Elimina mecanismos de inibição da demissão imotivada e reafirma a possibilidade de demissão sem justa causa; 6. Define limites de despesas com pessoal, regulamenta e estabelece o prazo de 2 anos para as demissões por excesso de pessoal, regulamentando a demissão de servidores públicos estáveis por excesso de pessoal; 7. Redefine a lei 6.019/74 de contrato temporário, estimulando o contrato de trabalho precário; 8. Estabelece a unificação de impostos e contribuições e a redução de parte do custo de contratação do trabalho; 9. Favorece a terceirização do emprego e das cooperativas de trabalho. |
Tempo de Trabalho |
1. Banco de Horas (Lei 9061/1998 e MP 1709/98); 2. Liberação do Trabalho aos domingos (MP 1878-64/99) |
1. Define jornada organizada no ano para atender flutuações dos negócios e prazo de até 1 ano para sua compensação, através de acordo ou convenção coletiva; 2. Define o trabalho aos domingos no comércio varejista em geral, sem necessidade de negociação coletiva. |
Salarial |
1. Participação nos lucros e Resultados (MP 1029/94 e Lei 10.10/2000); 2. Política Salarial (Plano Real – MP 1053/94); 3. Salário Mínimo (MP 1906/97). |
1. Define a participação nos lucros e resultados (PLR) da empresa através da negociação coletiva de trabalho; 2. Induz a “livre negociação”, através da eliminação da política de reajuste salarial do Estado e proíbe as cláusulas de reajuste automático de salários; 3. Fim da correção do salário mínimo, sendo seu valor definido pelo Poder Executivo e introduz o piso salarial regional. |
Organização do Trabalho |
1. Fim do Juiz classista (PEC 33-A/99); 2. Limitação da ação sindical no setor público (Decreto 2066/96); 3. Ultratividade acordo/convenção (MP 1620/98); 4. Substituição de grevistas no setor público (MP 10/2001). |
1. Acaba com o juiz classista na Justiça do Trabalho; 2. Estabelece punição para servidores grevistas e limita o número de dirigentes sindicais; 3. Inibe a validade de acordos e convenções até que novos sejam renegociados entre as partes; 4. Define a contratação temporária de até 3 meses, renováveis, em caso de greve de funcionários públicos por mais de 10 dias. |
Demissão |
1. Comissão de conciliação prévia – CCP (Lei 8959/2000)
2. Rito Sumaríssimo (Lei 9957/2000);
3. Fiscalização do TEM (Portaria 865/95). |
1. Estabelece condições de julgamento em primeira instância dos dissídios individuais, funcionando de forma paritária, mas sem estabilidade para seus membros; 2. Define procedimento sumaríssimo para dissídio individual com valor abaixo de 40 vezes o valor do s.m.; 3. Restringe a autuação no caso de conflito da legislação com acordo/convenção e desincentiva a aplicação de multa trabalhista em caso de ilegalidade trabalhista. |
Leis, medidas provisórias (que acabam se eternizando), portarias, enunciados e decretos, todo um arsenal jurídico mobilizado, através dos braços do Estado Burguês e Capitalista brasileiro de inspiração neoliberal, para saciar a voracidade de reprodução do capital, restringindo ações coletivas e sindicais de resistência.
Aliás, foi através do Decreto Lei nº 1237, de 2 de maio de 1939, na vigência do Estado Novo ou Ditadura de Vargas, que foi organizada a Justiça do Trabalho para, como está redigido em seu artigo 1º, dirimir os “conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, reguladas na legislação social”, constituindo-se em um marco, assim como a Consolidação das Leis do Trabalho de 1943, do papel intervencionista e regulatório do Estado Burguês e Capitalista hipertardio de “via prussiano-colonial”[6] que, procurou através da proteção jurídica, instalar uma nova forma de controle social e de legitimação da ordem capitalista que se desenvolvia no país[7].
Atualmente, como salienta Daniel Mota, analisando o papel da Justiça do Trabalho na década neoliberal,
A Justiça do Trabalho influencia-se ideologicamente pelas teses neoliberais, passando a adotar posições diametralmente opostas à sua própria razão de ser, omitindo-se na efetivação da garantia judicial de proteção do trabalhador em troca de uma maior rigidez hermenêutica, como que se o próprio Direito do Trabalho cedesse terreno ao Direito Civil, como se os princípios norteadores (e sobretudo protetores) simplesmente deixassem de existir.
A Justiça do Trabalho, agora, escancaradamente se apresenta como mais um preposto do capitalismo tardio brasileiro, propiciando um desmantelamento de grandes proporções não apenas quando atinge o direito material propriamente dito, mas também naquilo que praticamente garantiu, durante décadas, a ideologia do trabalho no Brasil: a coexistência do princípio protetivo através da conjugação do corporativismo com o protecionismo-legal-estatal... (Mota 2003)
Completado 60 anos de existência, o ordenamento jurídico brasileiro do trabalho, resultado de ações verticais descendentes do Estado brasileiro procurando manter a ordem social e o desenvolvimento capitalista, foi alvo de inúmeras modificações ao longo de sua história tornando-o bastante desregulado e flexível como sempre desejaram os representantes do capital, sendo que estas modificações, apesar das pressões, não terem sido tão profundas e radicais quanto gostariam que fossem.
No contra-fluxo da maré rapineira da força de trabalho, entendendo esta força de trabalho transformada em mercadoria para a reprodução do capital (transformação que nas relações econômicas de troca entre sujeitos-proprietários determinaram a forma de estabelecimento das relações jurídicas[8]), posicionaram-se e posicionam-se as organizações dos trabalhadores, que em significativos períodos de nossa história fizeram e fazem o enfrentamento ao capital e aos seus representantes, inclusive dentro das próprias organizações dos trabalhadores.
Como resultado da década neoliberal, com o desemprego avassalador e a precarização do trabalho na ordem do dia, os sindicatos colocaram-se numa posição defensiva para garantir um mínimo necessário à reprodução da força de trabalho.
Se durante a Ditadura Militar (1964/1985) prevaleceu a repressão político-policial, nos anos neoliberais prevalece a repressão econômica traduzida em “facão”[9], principalmente àqueles que fazem o embate às forças do capital.
É, portanto, num quadro de desemprego massivo, reestruturação capitalista, descenso do movimento sindical e psicologia do medo, que o governo Lula, do Partido dos Trabalhadores, num grande leque de alianças (que inclui a oligarquia rural, os industriais e os banqueiros) em nome da governabilidade, lança sua Reforma Sindical e Trabalhista e remete as discussões ao Fórum Nacional do Trabalho, coordenado pela Secretaria de Relações do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego, de onde, o que for consensuado entre bancada do governo – bancada patronal – bancada dos trabalhadores (representados, por convite, pela CUT, CGT, CGTB, CAT, Força Sindical e SDS), será remetido ao Congresso para ser aprovado, o que dependerá, em última instância, da correlação de forças dentro do parlamento burguês, ou de suas tradicionais formas de conseguir maioria na aprovação das leis.
Um “novo” mundo do trabalho passa a ser redesenhado tendo como fundo o quadro acima. Da precisão ou incorreção dos traços de seus atores poderemos ter diante de nossos olhos uma obra semelhante a Guernica, de Picasso, ou Dança, de Matisse. Todas, entretanto, com o enigmático semblante de Mona Lisa em Gioconda, de Da Vinci.
NOTA: Trabalho retirado do site: https://www.espacoacademico.com.br/036/36csouza.htm
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Neoliberalismo, sistema educacional e trabalhadores em educação no Brasil
As condições de vida e de trabalho dos trabalhadores em educação se degradaram muito nos últimos anos. Não se trata, é claro, de um processo unilinear e que atinja a todos por igual. Os professores e demais funcionários em educação vivem, no Brasil de hoje, situações muito diferentes. O Brasil não possui um sistema escolar único, ao contrário do que ocorre nos países de Estado de bem-estar, que têm um sistema estatal (isto é, público), gratuito e laico. Aqui, temos escolas e universidades públicas e privadas, laicas e confessionais, e muitas diferenças no interior de cada uma delas. De qualquer modo, a situação amplamente majoritária no ensino brasileiro é de remuneração insuficiente aos trabalhadores, condições de trabalho péssimas ou inadequadas e desprestígio do trabalho docente junto aos governos, à imprensa e a parte da sociedade.
Seria importante fornecer dados sobre a situação apresentada acima. Mas, não faremos isso aqui. Queremos destacar que a degradação dos trabalhadores em educação não é uma exceção no cenário brasileiro atual. O conjunto das classes trabalhadoras brasileiras têm vivido, desde a implantação do modelo capitalista neoliberal, a degradação de suas condições de vida e de trabalho. Esse modelo capitalista tem reservado para os trabalhadores do setor privado o desemprego crescente e prolongado, o emprego informal, sem direitos e mal remunerado, a redução ou supressão de direitos e o declínio da média salarial. Muitos desses sinais dos novos tempos já são amplamente visíveis no ensino privado. No setor público, o arrocho salarial, já antigo, foi reforçado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, a precariedade foi implantada pela Reforma Administrativa e a insegurança pelo terrorismo previdenciário das sucessivas reformas, oficiais e oficiosas, da previdência.As más condições de vida e de trabalho no setor da educação, apesar de suas especificidades, fazem parte, portanto, de uma situação geral vivida pela grande maioria dos trabalhadores brasileiros.
O subtítulo de nossa conferência traz a frase “por uma política de valorização profissional”. Pois bem, nós julgamos que essa política, entendida como um conjunto de medidas amplo e duradouro, que recupere salário, condições de trabalho e formação permanente, que atinja o conjunto dos trabalhadores em educação e que esteja apoiada num sentimento social generalizado de que é importante para o país a atividade docente de ensino e pesquisa, nós entendemos que uma tal política de valorização profissional é impossível dentro do modelo capitalista neoliberal implantado no Brasil ao longo da década de 1990. Nesse modelo, os trabalhadores, aí incluídos os trabalhadores em educação, serão sempre desvalorizados. Vejamos porquê.
A necessidade de mudar o modelo capitalista implantado no Brasil
Antes da implantação do modelo capitalista neoliberal, processo iniciado com a posse de Fernando Collor de Melo na Presidência da República em março de 1990, o Estado brasileiro, no plano da política econômica, era um Estado desenvolvimentista. Mais ainda, até o golpe militar de 1964, esse desenvolvimentismo esteve vinculado à política social populista, e isso, principalmente, no período 1943 a 1964. O desenvolvimentismo e o populismo visavam a reformulação da antiga divisão internacional do trabalho, a industrialização do Brasil e a implantação, ainda que restrita e segmentada, dos direitos sociais. Essa era a política geral do Estado brasileiro.
Foi o poder de Estado constituído com a Revolução de 1930 que propiciou esse modelo. A burocracia de Estado e a burguesia industrial interna tinham um papel central no bloco no poder e apoiavam-se, politicamente, em amplos setores dos trabalhadores urbanos para poder contornar ou vencer os diversos tipos de resistências que as antigas oligarquias e o imperialismo norte-americano contrapunham à política de desenvolvimento do capitalismo industrial. É um erro histórico afirmar que os EUA tinham interesse na industrialização brasileira. O governo e os capitais americanos resistiram à política de industrialização de Vargas e de JK. Aderiram a ela depois que ela se tornou um fato, estimulada, principalmente, por capitais europeus.
Esse projeto de desenvolvimento econômico e as condições políticas nas quais ele era implementado, que o tornavam dependente de um certo apoio popular, estimulavam muito o desenvolvimento de um sistema escolar público, gratuito e laico, desde o ensino fundamental até a universidade, e estimulavam, também, um mínimo de pesquisa científica e tecnológica independente. A indústria precisava qualificar a força de trabalho operária, os quadros administrativos, a mão-de-obra técnica, e precisava também de infraestrutura e de pesquisa tecnológica nacional; o Estado populista precisava integrar os trabalhadores urbanos, objetivo que exigia a ampliação do ensino público, gratuito e laico. Como se sabe, essa foi a época, não da implantação, mas da expansão da rede de escolas públicas e da criação da rede de universidades federais e, em alguns casos, estaduais. Foram também criados muitos institutos de pesquisa vinculados ao Estado. Os interesses e as expectativas apontavam para um projeto político de desenvolvimento de um capitalismo de base minimamente nacional com um mínimo de direitos sociais e de distribuição de renda.
Na eleição de 1989, ao optar por Fernando Collor de Melo, a burguesia brasileira, em parte por opção própria, em parte por pressão externa e em parte ainda por medo da candidatura de esquerda da Frente Brasil Popular, decidiu substituir o modelo capitalista desenvolvimentista pelo modelo capitalista neoliberal. Do populismo, a burguesia brasileira já havia se livrado em 1964. Restara, contudo, o desenvolvimentismo, mantido pelos governos militares durante o período da ditadura. Essa política econômica era o último resquício da Revolução de 1930. Ela também foi jogada ao mar. A substituição do desenvolvimentismo pelo modelo capitalista neoliberal, aliada às dificuldades crescentes do movimento operário e popular na década de 1990, levou ao declínio da escola pública, à privatização do ensino, à conversão da educação em mercadoria e à mudança no perfil da universidade. Muitos não se lembram, mas o Ministro da Educação Paulo Renato afirmou, no início do primeiro governo FHC, em entrevista à revista Exame, que a universidade estava se tornando supérflua, que poderia ser substituída pela prática de enviar alguns estudantes para fazerem curso superior no exterior e pelo uso da internet. Tal declaração de ignorância fazia parte do clima do neoliberalismo montante, fase em que seus porta-vozes podiam se dar ao luxo de serem mais sinceros. É esse conjunto de mudanças na educação, mudanças decorrentes elas próprias de uma mudança política e econômica mais geral como indicamos, que altera a importância e o perfil dos trabalhadores em educação.
Ao longo da década de 1990, mudou o funcionamento da economia capitalista no Brasil, mudaram os objetivos da política de Estado e mudaram a posição política e o poder econômico dos diferentes setores da burguesia brasileira. Não vou entrar em detalhes naquilo que já é conhecido de todos. Serei breve.
O Estado brasileiro promoveu uma ampla abertura comercial e uma também ampla desregulamentação financeira que, articuladas, concorreram para o aprofundamento da dependência da economia brasileira frente ao capital financeiro internacional. Um aprofundamento da dependência que é, ao mesmo tempo, uma relativa alteração nos termos dessa dependência. Hoje, o funcionamento do capitalismo brasileiro está dependurado no fluxo de ingresso de capital financeiro internacional, que permite o fechamento das contas externas, fluxo esse mantido graças a uma atrativa (para o capital especulativo) e destrutiva (para os trabalhadores e para a produção interna) política de juros altos. A produção industrial interna foi submetida à concorrência internacional e assistimos ao fenômeno da desindustrialização, caracterizada pela redução da participação do produto industrial no conjunto da economia, pela mudança no perfil da indústria, com o aumento relativo da produção industrial ligada ao setor primário, e pela desarticulação das cadeias produtivas. Grande parte da indústria que cresceu ou foi implantada nesse período, é uma “indústria” de montagem – apenas monta o produto final utilizando componentes que são, fundamentalmente, importados. A concorrência internacional e a política de juros altos provocaram uma nova onda de internacionalização do parque produtivo nacional. Foram drasticamente reduzidos, graças à política de privatização e de desenvestimento público, o setor estatal produtivo e de serviços (infraestrutura, comunicações, transporte etc.).
Abandonando o desenvolvimentismo, burguesia e o Estado brasileiro abandonaram qualquer veleidade de implantar um capitalismo nacional e, adotando a política social do neoliberalismo, cuja característica fundamental é a redução e a supressão de direitos sociais, não possui tampouco interesse em integrar, sequer de modo restrito segmentado, os trabalhadores à riqueza produzida. Nesse novo quadro político, a escola, a universidade e os trabalhadores em educação perdem importância como elementos de um projeto nacional e popular. Gasto público com educação é visto assim mesmo: como gasto. O que foi herdado do período desenvolvimentista e populista é, do ponto de vista do modelo econômico atual, uma herança inútil e dispendiosa. Os museus universitários, os laboratórios, as pesquisas, as bibliotecas sofisticadas – tudo isso é algo do que é preciso se livrar. O modelo capitalista neoliberal na periferia funciona a partir de fora, com tecnologia e produtos importados. Ele não necessita de tecnologia e nem de produção científica nacional. Basta uma mão-de-obra medianamente formada, o que pode ser obtido por qualquer instituição de ensino de terceiro grau – que é a denominação mais adequada para a nova safra de “universidades”.
A educação passou a ser funcionar e a ser vista, do lado do aluno cliente, como um investimento privado do indivíduo e, do lado do empresário do setor, como uma área para a acumulação de capital. Nas escolas reservadas aos estudantes de alta renda, o aluno é o cliente, o professor, um prestador de serviço educativo remunerado pelo cliente e a relação entre ambos é um assunto para o Procon. O resto é discurso vazio. Nas escolas públicas da periferia, o professor e demais funcionários partilham, com a população local, todas as desgraças e violências oriundas do novo modelo capitalista periférico. Como é possível, nesse quadro, valorizar o profissional em educação? É por isso que eu estou dizendo que a valorização dos trabalhadores em educação requer a mudança do modelo econômico. Não nos enganemos com o discurso ideológico do governo e da grande imprensa sobre a importância da ciência e da educação. Tampouco nos devemos deixar embalar pelas “sofisticadas” análises sociológicas que falam da necessidade que teria o capitalismo brasileiro de desenvolver a ciência e a tecnologia. Como é possível acreditar nesse discurso, quando sabemos o que está acontecendo com a educação e com os trabalhadores em edeucação? É necessário menos “sofisticação” de sociólogo e um pouco de astúcia. A apologia vazia da educação, sem qualquer conseqüência política prática, essa apologia visa, de um lado, encher os bolsos dos empresários do ensino, incitar os jovens a comprar um diploma como se comprassem um passaporte para o futuro, ludibriá-los com uma mercadoria falsificada, e, de outro lado, essa apologia vazia da educação serve também para desviar todos os trabalhadores da luta pela mudança do modelo econômico e social.
O modelo capitalista neoliberal e periférico promoveu importantes mudanças na burguesia brasileira. Essas mudanças precisam ser conhecidas se se quiser ter uma estratégia realista de luta pela valorização dos trabalhadores em educação. Alguns setores da burguesia se tornaram mais fortes e influentes, outros perderam terreno e surgiram também setores novos.
O capital bancário, nacional e estrangeiro, cresceu, tornou-se mais forte e mais influente. É ele que tem interesse direto na manutenção de taxas elevadas de juros. A grande burguesia industrial interna percorreu o caminho inverso. Teve seus lucros reduzidos relativamente aos bancos devido à abertura comercial e à política de juros altos e perdeu influência política no Estado brasileiro. Diante desse declínio, poderíamos recordar o ditado popular: nada como um dia após o outro. Essa fração da burguesia está, pelo menos em parte, pagando o preço por ter rompido com a frente populista em 1964 e por ter usado o protecionsimo alfandegário para se proteger não só do concorrente estrangeiro mas também do consumidor nacional. Um grande trunfo de que dispunha, nos anos 50 e 60, a burguesia industrial para disputar com as demais frações burguesas o controle da política econômica do Estado brasileiro era o fato de a indústria ser motivo de “orgulho nacional”. Tendo a indústria cortado todos os vínculos políticos e ideológicos que a aproximavam de parte dos trabalhadores urbanos, foi fácil apresentá-la como um “cartório” (Collor) que produzia mercadorias de má qualidade a preços exorbitantes (“não produz carros, mas carroças”, Collor de novo) e contornar suas resistências à abertura comercial proposta pelo neoliberalismo para os países periféricos – nos países centrais, os Estados aplicam o neoliberalismo sem abrir mão do protecionismo. A Fiesp não tem, hoje, a influência que tinha no Estado brasileiro nas décadas de 1960 e 1970.
Outro setor burguês afetado foi a antiga burguesia nacional de Estado - os burocratas que controlavam as grandes empresas públicas. A política de privatização levou esse setor nacional da burguesia interna ao declínio. Esse setor era uma das bases sociais mais importantes do nacional-reformismo burguês no Brasil. O seu declínio aprofunda o processo de integração da grande burguesia brasileira ao capitalismo internacional. Por último, há um setor relativamente novo da burguesia brasileira que cresceu muito graças ao modelo capitalista neoliberal e aumentou seu poder econômico e sua influência política. Trata-se de um setor que diz respeito diretamente aos trabalhadores em educação. Estou me referindo àquilo que eu denomino a nova burguesia de serviços –as empresas que exploram a educação, a saúde e a previdência privada.
A nova burguesia de serviços é aquela fração da burguesia brasileira que cresce graças ao recuo do Estado na área dos serviços e dos direitos sociais. Essa fração da burguesia é um dos setores mais reacionários da classe dominante hoje. Isso porque o seu crescimento resulta, e só pode resultar, da manutenção de uma política ultra-reacionária de supressão e redução dos direitos sociais. Um governo reformista, por mais tímido que seja o seu reformismo, necessitará desmercantilizar os direitos e serviços sociais na área da educação, da saúde e da previdência e, desse modo, poderá ferir de morte essa nova fração da burguesia. Daí o seu reacionarismo. Precisamos - nós trabalhadores em educação – observar atentamente o movimento dessa fração burguesa. Analisar seus interesses e sua ação junto ao Estado, nos órgãos burocráticos e no parlamento. Entender que são interesses burgueses e poderosos que sustentam, hoje, esse modelo educacional, e não uma suposta miopia dos membros da equipe governamental.
Tiremos uma conclusão. Todas as mudanças ocorridas até aqui no seio da classe dominante tornaram a grande burguesia brasileira um bloco mais reacionário, mais integrado ao capitalismo internacional e mais coeso politicamente. A burguesia brasileira ficou mais internacionalizada, cresceu a sua parte rentista, improdutiva, e a sua unidade política se fortaleceu. Nos oito anos de governo de FHC, pela primeira vez desde 1945, deixou de haver um partido burguês de oposição. A UDN foi a oposição burguesa ao desenvolvimentismo e ao populismo. O MDB foi a oposição burguesa, ainda que conciliadora, ao regime militar. Contrastando com esse passado político recente, durante os oito anos de mandato de FHC todos os partidos burgueses apoiaram ativamente o governo e a política neoliberal. É preciso ser realista. Todas essas mudanças na classe dominante são desfavoráveis para o movimento popular, dificultam a sua luta e diminuem os espaços disponíveis. Apenas no decorrer de 2001 e 2002, a frente partidária que sustentou os dois governos de Fernando Henrique Cardoso dá sinais de que pode rachar, devido às disputas entre o PMDB, o PFL e o PSDB.
Com quem podemos contar e alguns dos obstáculos que nos esperam
Para construirmos um sistema educacional único, público, laico e gratuito, que contribua para a independência tecnológica e científica do país e para a integração das massas populares ao mundo da ciência e da cultura, é preciso implantar um novo modelo econômico. E o único caminho para implantar esse novo modelo econômico é a luta dos trabalhadores. Não estamos afirmando com isso que não haja mais nenhum espaço para a resistência localizada a medidas antipopulares do governo na área educacional e para a luta por conquistas parciais. É possível se obter algo dentro do modelo econômico existente. Mas, esse algo sempre será pouco e incerto. A orientação correta, portanto, é unir as lutas parciais a uma luta política geral pela supressão do modelo capitalista neoliberal e periférico.
Mas em que condições se dá essa luta hoje? Qual é a sua força? Quais são as dificuldades que ela enfrenta?
Vimos que uma dificuldade importante diz respeito ao fato de a burguesia ainda estar politicamente unida numa ampla frente conservadora favorável ao neoliberalismo. Vejamos agora o que se passa no campo das classes trabalhadoras. A degradação das condições de trabalho e de vida da maioria dos trabalhadores tem provocado reação popular. Em diversas frentes, os trabalhadores lutam contra o modelo econômico implantado ao longo da década passada e já acumularam forças nessa luta. Um sintoma recente e importante dessa acumulação foi o resultado, muito desfavorável para o governo, das eleições municipais do ano 2000. Porém, a despeito da situação econômica prejudicial para os trabalhadores, há muitas dificuldades para organizar a luta dos trabalhadores contra esse novo modelo capitalista. As organizações de esquerda e os intelectuais críticos têm, a nosso ver, cometido o erro de ignorar os trunfos de que dispõe o neoliberalismo frente ao movimento popular no Brasil. Idealizar as nossas forças não contribui em nada para a elaboração de uma estratégia política eficiente.
Tentemos passar em revista alguns movimentos e lutas sociais da atualidade, para conhecermos seus trunfos e suas debilidades.
No importante terreno do movimento sindical, temos a primeira “surpresa desagradável”. Uma parte do sindicalismo aderiu abertamente ao modelo neoliberal. A Força Sindical (FS) defende as privatizações e a redução de direitos sociais e trabalhistas. Atualmente, tem feito campanha a favor do projeto de lei do executivo federal que livra a empregador de cumprir as normas protetivas do trabalho presentes na CLT, bastando para isso obter um aval do sindicato do seu setor. Podemos prever que esse aval será fácil de se obter em grande parte da economia. O Brasil possui um número exorbitantes de sindicatos, cerca de 20.000. Para termos uma idéia do que representa esse número, basta lembrar que países de sindicalismo bem mais forte que o nosso, como a Inglaterra, os EUA e a França, possuem menos de 1.000 entidades sindicais. O modelo brasileiro é um modelo sindical cartorial, onde a unicidade sindical estabelecida em lei e as contribuições financeiras obrigatórias garantem a sobrevivência de qualquer sindicato, seja ele representativo ou não, e permite a manutenção de qualquer pelego. Não é difícil imaginar, dentro desse modelo sindical, o que acontecerá se o projeto do governo para a CLT, que, em resumo, estabelece que o negociado prevalece sobre o legislado, chegar a ser aprovado no Congresso Nacional: os empregadores obterão da maioria dos sindicatos brasileiros o aval de que necessitam para retirar os direitos dos trabalhadores. A Força sindical, além de defender a desregulamentação do mercado de trabalho, defendeu também a privatização das empresas públicas e o fez de modo ativo e militante, formando os “clubes de investimentos” que atraíram os funcionários daquelas empresas para a proposta de privatização. Essa posição conservadora da FS é também a posição de outros agrupamentos sindicais de menor importância, como a denominada Social Democracia Sindical (SDS), que reúne algumas centenas de sindicatos pelegos e de carimbo pelo Brasil. O sindicalismo brasileiro, portanto, não está unido na oposição contra o novo modelo.
A parte mais combativa do movimento sindical, representada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), é oposição ao modelo capitalista neoliberal. Ainda neste mês de abril de 2002, vimos que a CUT organizou um muito bem sucedido dia nacional de greve e de manifestações contra o projeto de lei do governo que altera a CLT. Ademais, a CUT tem se posicionado contra a política de privatização e de abertura comercial. De resto, é importante frisar que essa “parte sã” do sindicalismo brasileiro é muito mais organizada e representativa que todas as demais centrais sindicais juntas. Mas, é necessário reconhecer que a combatividade que a CUT exibia na década de 1980 foi substituída por uma atuação mais moderada. Na década de 1980, a CUT deu grande importância à ação sindical de massa, unificada nacionalmente, contra a política econômica do Estado brasileiro. Foram expressão dessa linha as cinco grandes greves nacionais de protesto organizadas naqueles anos - que atingiram, duas delas, a marca de mais de vinte milhões de grevistas – e a mobilização popular que a CUT organizou para pressionar a Assembléia Nacional Constituinte a aprovar leis favoráveis aos trabalhadores. Na década de 1990, ao contrário, o sindicalismo cutista refluiu para uma ação localizada, fragmentada por setor econômico e por empresa, e, nutriu a ilusão de que seria possível substituir a luta por propostas tecnicamente sofisticadas que seriam aceitas por empregadores e pelo governo. Essa foi a linha do sindicalismo propositivo que felizmente, hoje, começa a dar sinais de esgotamento.
Vejamos a situação dos trabalhadores rurais. Aqui, o movimento mais combativo e importante, como todos sabem, é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, o MST. Esse movimento manteve, ao longo da década de 1990, as bandeiras e ações mais combativas. Na verdade, ao longo dos anos 90 o MST substituiu a CUT como referência central do conjunto do movimento popular. Mas, o MST encontra-se, nesse início da década de 2000, em dificuldades crescentes e talvez num certo refluxo. O número de ocupações de terra promovidas pelo MST tem caído. Isso é decorrente de uma série de ações do governo e de problemas do campo popular e oposicionista. Novas leis foram aprovadas que impedem a desapropriação de terras ocupadas, o que diminuiu a eficácia da principal forma de luta dos sem-terra. O governo criou, também, o Banco da Terra, com dinheiro oferecido pelo Banco Mundial. É uma proposta, quantitativamente limitada, de mercantilizar a reforma agrária, mas que ilude muitos trabalhadores rurais. Tanto mais porque essa proposta conta com o apoio ativo e organizado da Força Sindical, que criou a Força da Terra para fazer a ponte entre a política do governo que visa dividir o movimento dos camponeses e os sindicatos de trabalhadores rurais. Por último, com o deslocamento do PT e da CUT para posições mais moderadas, o MST passou a padecer de um certo isolamento no campo das organizações populares, o que tem facilitado a política do governo que quer destruir esse movimento. Mas, ressalvemos o essencial: o MST continua em pé, tem grande força e combate o capitalismo neoliberal.
Um movimento que tem crescido muito nos últimos anos é o movimento popular pela moradia. Ele está presente em muitas capitais brasileiras e reúne diversos tipos de trabalhadores – operários, trabalhadores de escritório, funcionários públicos – cujo fator de união é o problema da moradia. São trabalhadores que habitam em cortiços e favelas, que foram despejados pelos seus senhorios ou se encontram ameaçados de despejo. Trata-se de um movimento mais fragmentado, menos centralizado que aqueles que citamos anteriormente, mas que possui uma organização que procura unificá-lo: o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). A luta pela moradia é um movimento que alguns estudiosos denominam “movimentos de urgência” que, justamente devido à urgência de sua reivindicação, lançam mão da ação direta como meio de luta. O movimento dos sem-teto tem ocupado edifícios públicos e privados nas grandes cidades brasileiras e tem obtido algumas vitórias na luta pela moradia. É um movimento importante e que pode crescer. Outros movimentos que mereceriam uma análise mais detida são os movimentos ligados diretamente à educação. Os estudantes têm lutado pelo controle das mensalidades na escola e na universidade privadas, mas essa luta ainda está incipiente e não trouxe grandes resultados. As mensalidades estão liberadas desde o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso e continuam assim. Há movimentos pipocando, aqui e ali, como em Santos, em Sorocaba, na Zona Leste da cidade de São Paulo, pela criação de novas universidades públicas. Esses movimentos obtiveram algum avanço, mas tudo é ainda muito inicial.
Não temos a intenção de passar em revista o conjunto dos movimentos populares existentes no Brasil. Os movimentos que citamos já são suficientes para destacarmos duas conclusões. A primeira, mais geral, é que os trabalhadores brasileiros não estão passivos diante do neoliberalismo. Eles dispõem de organizações fortes e combativas (CUT, MST, MTST, UNE) que estão, de modos distintos, resistindo à política neoliberal. A segunda conclusão é que o movimento popular não está suficientemente unido na luta contra o neoliberalismo. Isso é indicador de algo que a maioria dos intelectuais críticos e dos partidos de esquerda reluta em admitir: existe uma hegemonia ideológica da burguesia brasileira hoje, obtida graças à plataforma neoliberal. É importante reconhecer e analisar essa hegemonia, pois disso depende a localização de lacunas e equívocos na plataforma e na luta dos movimento populares, localização essa que é o primeiro passo para resolver tais problemas.
O neoliberalismo obteve algo que poderíamos denominar uma hegemonia regressiva. Isso porque, ao contrário das situações clássicas de hegemonia burguesa, nas quais a burguesia recua e faz concessões importantes aos interesses econômicos imediatos dos trabalhadores para neutralizar a sua luta política, na hegemonia regressiva neoliberal o que a burguesia implanta é uma política de supressão de direitos trabalhistas e sociais. A burguesia avança contra direitos e interesses elementares dos trabalhadores e, apesar disso, consegue, em parte, neutralizá-los. Isso é aparentemente um paradoxo. Para explicá-lo, é necessário voltarmos a considerar o período do Estado desenvolvimentista e populista.
É necessário destacarmos, agora, os limites estreitos do desenvolvimentismo e do populismo. Aquele modelo, como indicamos anteriormente, se representava um grande avanço em relação à política social da República Velha (1894-1930) e se ainda representa uma situação mais favorável para o trabalhador que a situação presente criada pelo neoliberalismo, aquele modelo, nós dizíamos, desenvolveu, apesar de tudo, uma política de inclusão social restrita e segmentada. Até 1962, os trabalhadores rurais permaneceram fora da legislação social. Ao longo dos anos 70 e 80, quando a migração interna transferiu a população do campo para a cidade, um grande e crescente contingente de trabalhadores recém chegados ao mercado urbano passou a trabalhar “sem carteira assinada”, isto é, não lograram inserir-se em relações de emprego formais e permaneceram, portanto, sem direitos sociais. É por isso que estamos dizendo que a cidadania social no Brasil é restrita. Ela sempre excluiu um número muito grande de trabalhadores. E ela é, também, segmentada, porque, dentre os trabalhadores que nela estão incluídos o acesso à educação, à moradia, ao saneamento, à aposentadoria, às condições de trabalho etc. é muito desigual. Essa cidadania restrita e desigual, que ofereceu aos trabalhadores brasileiros um arremedo de Estado de bem-estar, é uma herança perversa do Estado desenvolvimentista e do populismo. Pois bem, essa cidadania restrita e desigual foi gerando, ao longo do tempo, uma revolta difusa dos trabalhadores preteridos pelos direitos sociais, revolta essa que não foi vocalizada na cena política e que foi negligenciada pela esquerda brasileira, porque parte dessa se encontrava, e infelizmente ainda se encontra, ideologicamente comprometida com o modelo populista e desenvolvimentista. Por muitos anos, os trabalhadores preteridos por esses direitos nutriram a expectativa de serem beneficiados dentro daquele modelo. Mas, no final dos anos 80 e início dos anos 90, a frente burguesa neoliberal começou a explorar de uma perspectiva reacionária essa frustração histórica. E obteve grande sucesso nessa empreitada que visava confiscar, para um objetivo reacionário, uma revolta popular legítima.
Todos estão conscientes da mistificação da grande imprensa burguesa e do governo quando, para combater direitos dos trabalhadores, apresentam-nos como privilégios. Espero que a análise acima contribua para elucidar porque essa operação de mistificação é bem-sucedida. A não ser que respondamos com uma crítica progressista e socialista a tais desigualdades, o terreno permanecerá aberto para a exploração reacionária dessa situação. A conclusão prática que retiro disso, é que precisamos fazer uma defesa ativa dos direitos e serviços ameaçados pelo governo. Fazer a defesa significa não ceder em nada: nada de rebaixar as aposentadorias, nada de pagar mensalidades na universidade pública, nada de abrir mão de normas do direito do trabalho estabelecidas na CLT. Porém, se essa defesa é ativa, isso significa que, ao mesmo tempo que defendemos os direitos e serviços sociais, devemos pleitear a sua mudança e ampliação. Se não fizermos isso, estaremos aceitando, por omissão, a exclusão de grandes massas de trabalhadores de tais direitos e, portanto, deixando para a reação explorar livremente a legítima frustração desses trabalhadores. Temos de defender, então, a democratização de tais direitos e serviços.
Vejamos alguns exemplos de aplicação dessa linha de defesa ativa dos direitos sociais. Não é possível defender de fato a universidade pública sem, ao mesmo tempo, lutar, nos atos e não apenas nas palavras, pela sua expansão, de modo a incluir em suas salas de aula uma grande parcela da juventude brasileira, principalmente os jovens de origem popular. Se a universidade pública continuar sendo uma universidade de uma ínfima minoria, ela permanecerá social e politicamente isolada e poderá perecer. (Eu disse uma minoria, mas isso não significa que essa minoria seja elite econômica. As pesquisas mostram que os estudantes da universidade pública são, sem dúvida, uma elite intelectual com um aproveitamento escolar muito acima da média. Mas, no que respeita à sua condição econômica, a situação é mais heterogênea e, de qualquer modo, muito diferente daquela pintada pela imprensa e pelos governos neoliberais. No Estado de São Paulo a renda média dos estudantes das universidades privadas é superior à renda média dos estudantes da universidade pública; nas universidades federais, três quartos dos estudantes pertenciam, segundo dados de 1995, a famílias com renda per capita inferior ou igual a dois salários mínimos. Para uma família com quatro pessoas, isso representaria, hoje, uma renda familiar total inferior ou igual a R$1.600,00.) Uma linha parecida pode ser pensada para a previdência social. Não podemos admitir nenhuma reforma que tire direitos na previdência. Porém, se quisermos garantir esses direitos, temos – o movimento sindical, os partidos de esquerda - de apresentar um programa amplo de previdência pública por repartição que inclua todos os trabalhadores brasileiros num sistema de aposentadoria digno. A aposentadoria digna desse nome não poderá sobreviver se continuar confinada, como se fosse um privilégio, aos funcionários públicos. Em suma, se o neoliberalismo utiliza o caráter restrito dos direitos sociais para desacreditá-los e suprimi-los, nós devemos, para garantir a sua continuidade, lutar pela sua ampliação.
Encerremos com um rápido balanço. A situação é muito complexa e dinâmica.
A unidade política da burguesia em torno do neoliberalismo continua existindo, mas está apresentando, no decorrer da campanha eleitoral de 2002, sinais de que está começando a trincar. Fatores como a crise econômica e política da Argentina podem reforçar essa tendência ao rompimento da unidade burguesa, porque tais fatores lançam dúvidas sobre a eficácia e solidez do modelo econômico neoliberal como padrão adequado de acumulação de capital. Hoje, alguns aspectos secundários da política neoliberal são motivo de polêmica entre a própria burguesia. No terreno político, tampouco a situação latino-americana é tal que possa sossegar a burguesia brasileira. A derrota do movimento golpista na Venezuela e a volta de Hugo Chavez ao poder revelaram que os neoliberais e o governo norte-americano podem ser derrotados. No que respeita ao movimento popular, esse acumulou forças. Os trabalhadores têm resistido, demonstram sua insatisfação e isso tudo começa a repercutir no plano eleitoral. Já vimos isso nas eleição municipais de 2000 e estamos, de novo, vendo algo parecido nesse mês de abril, no decorrer da campanha para a eleição presidencial de 2002. Mas, nós não podemos omitir que o neoliberalismo logrou atrair parte do movimento popular (Força Sindical), conseguiu fazer com que outra parte começasse a hesitar em combatê-lo (CUT) e está conseguindo também interceptar os laços de simpatia e apoio com que contavam movimentos mais ousados e combativos como o MST. Essa situação complexa se explica pelo fato de os neoliberais saberem explorar, com objetivos reacionários, a herança perversa legada pelo desenvolvimentismo e pelo populismo.
É nesse quadro complexo que os trabalhadores em educação devem inserir a sua luta por um novo sistema educacional, democrático, público, laico e gratuito, e pela valorização profissional dos trabalhadores em educação. Para tanto, devem procurar unificar, em primeiro lugar, o seu próprio movimento. Superar os particularismos que ainda dividem o seu movimento sindical, buscar uma organização a mais ampla possível. Por que não começarmos a pensar em uma grande federação nacional da educação, que reúna o setor público e o privado, e os professores com os demais trabalhadores em educação? Os trabalhadores em educação devem, ao mesmo tempo, procurar unificar a sua luta com a luta dos demais trabalhadores contra o modelo capitalista neoliberal periférico.
A crítica da ideologia meritocrática e a unificação da luta dos trabalhadores
A reflexão sobre a necessidade de unificar a luta dos trabalhadores nos leva de volta ao começo, aos próprios termos do título da nossa palestra.
Esse título foi proposto pela comissão organizadora do IV Coned e fala em trabalhadores e trabalhadoras na educação. Essa não é uma expressão indiferente e não deve passar despercebida. Falar em trabalhadores em educação significa situar-se no tempo histórico presente e num terreno político progressista. A idéia segundo a qual professores e os funcionários técnicos e administrativos da educação são trabalhadores é uma idéia muito recente. Ela se fortaleceu apenas no decorrer dos últimos vinte e cinco anos - digamos, a partir da crise da ditadura militar.
Até o final da década de 1970, os professores e os funcionários técnicos e administrativos do sistema educacional sequer se viam com trabalhadores. A introdução do sindicalismo no setor educacional e o avanço das organizações e partidos de esquerda entre os professores e na política brasileira em geral que lograram - graças a uma luta prolongada e ainda não terminada - fazer com que professores e funcionários passassem a se ver como trabalhadores. Isso representou um grande avanço, embora ainda seja um avanço incompleto - todos sabem que muitos professores, principalmente no meio universitário, ainda relutam muito em se pensar com parte integrante das classes trabalhadoras.
Até os anos 60, a maior parte dos professores e demais funcionários da educação mantinham-se à margem do movimento sindical, um movimento que eles olhavam de fora e de longe e de um modo um tanto depreciativo. Esses professores e funcionários gozavam de uma relativa segurança material, de emprego estável, e de um certo prestígio social. A essa situação de trabalho correspondia, principalmente entre os professores, o apego àquilo que poderíamos denominar a ideologia meritocrática, a ideologia segundo a qual a sociedade está hierarquizada em camadas, compostas por indivíduos cuja renda e cujo prestígio desiguais refletiriam os dons e os méritos, também desiguais, desses indivíduos. A ideologia meritocrática é uma ideologia porque ela falseia a realidade, atribuindo aos dons e aos méritos individuais aquilo que decorre da posição de origem de cada um na estrutura de classes, e porque, ao falseá-la, o faz no interesse de um segmento social em detrimento do interesse de outros segmentos. A ideologia meritocrática justifica e legitima a hierarquia salarial que beneficia o trabalho não-manual em detrimento do trabalho manual. Caberia pergunar o que exige mais dons e mais esforços pessoais: tornar-se um engenheiro, tendo nascido numa família burguesa paulistana, ou tornar-se um torneiro mecânico, tendo nascido numa família de camponeses pobres do sertão nordestino e migrado em pau-de-arara para São Paulo?
Esse meritocratismo, os professores, até os anos 60, o assumiam amplamente e, é preciso dizer, o assumiam na sua versão mais elitista, isto é, na sua versão radicalmente individualista. Era isso que os afastava do sindicalismo e os levava a depreciar esse movimento. Cada professor e cada funcionário técnico e administrativo, usufruindo, de fato, condições de trabalho e situação social superiores às dos trabalhadores manuais, via-se como um indivíduo singular, dotado de dons e méritos próprios, e esperava obter uma ascensão social individual, fazendo valer os seus dons e os seus méritos. A luta sindical dos demais trabalhadores era vista como um movimento apropriado apenas para os trabalhadores manuais que, segundo a versão radicalmente individualista da ideologia meritocrática, teriam que compensar a falta de dons e de méritos individuais com a organização e a luta coletiva; teriam de usar a força para compensar a falta de méritos. Em poucas palavras, o individualismo meritocrático, elitista e divisionista, é contraditório com a organização e a luta sindical, que é uma luta coletiva dos trabalhadores em geral, manuais ou não-manuais. Esse meritocratismo radicalmente individualista afastava os professores e demais funcionários desse movimento.
Pois bem, a partir do final da década de 1970, a luta sindical, que é uma luta coletiva pela melhoria coletiva dos trabalhadores, essa luta representou um grande avanço para os professores e os funcionários técnicos e administrativos da educação. Ela aproximou os trabalhadores do ensino dos demais trabalhadores brasileiros e funcionou tanto como instrumento da luta reivindicativa, quanto como grupo de pressão para obter medidas mais progressistas de política educacional. É sabido que as condições de vida e de trabalho da maioria dos funcionários da educação pioraram nos últimos anos. Seria possível demonstrar que essa piora teria sido muito maior não fosse a luta sindical. O fato é que os trabalhadores da educação são, hoje, e graças em boa medida ao sindicalismo, uma realidade no Brasil.
Porém, não convém idealizarmos a nossa própria situação. Os trabalhadores em educação são um setor muito diversificado das classes trabalhadoras, com condições de trabalho e com níveis de remuneração muito heterogêneos. O sistema educacional brasileiro é um sistema bifronte que abriga, como se sabe, dois ramos escolares distintos: um amplo e crescente setor privado e um grande setor público em dificuldades. No interior de cada um desses dois grandes setores ou ramos, existem outras clivagens: instituições privadas geridas por fundações ou por diretores ou reitores proprietários, instituições públicas federais, estaduais ou municipais e assim por diante. Ademais, permanece um certo atraso ideológico. Mesmo que isso nos incomode e perturbe, é necessário refletirmos sobre tal atraso, para conhecermos os limites e dificuldades de nossa luta e podermos traçar um plano sobre aquilo que ainda falta para avançar. O sindicalismo não logrou superar todas diferenças existentes entre os trabalhadores da educação. Pelo contrário, é preciso ter coragem e reconhecer que o sindicalismo até reforçou algumas delas. Alguns particularismos provêem da diversidade econômica e jurídica das instituições de ensino: por exemplo, os professores da rede privada estão sindicalmente separados dos professores da rede pública, os professores das instituições federais estão separados dos professores das instituições estaduais e assim por diante. Outros particularismos têm a ver com a persistência de um meritocratismo transformado, atualizado, não mais radicalmente individualista, mas, agora, de tipo profissional ou sindical.
Todos nós sabemos que, no terreno organizativo, a organização sindical dos professores é, em quase todos os níveis, setores ou regiões, constituída à parte, separando os professores dos demais funcionários em educação. No terreno da ação sindical, é possível a luta unificada e ela existe com força cada vez maior. As campanhas salariais, por exemplo, são encaminhadas de modo cada vez mais unificado. Mas, todos sabem que ainda persistem dificuldades quando se procura unificar a luta desses dois segmentos de trabalhadores da educação. Tampouco se obteve, e na verdade mal se tentou, a fusão dos sindicatos e associações dos professores do ensino universitário com os sindicatos e associações dos professores do ensino fundamental e médio. São os professores, e entre eles os professores universitários, os que mais se apegam a todas essas segmentações e hierarquias organizativas que isolam os professores dos demais funcionários, os professores do ensino universitário dos professores do ensino médio e fundamental e assim por diante. Por que é assim? Porque, embora muitos professores tenham se libertado da versão mais atrasada do meritocratismo, que é o individualismo meritocrático radical, não se libertaram do meritocratismo em geral; na verdade, eles o transformaram de modo a lhe dar um conteúdo novo, configurando-o, agora, como uma espécie de meritocratismo de profissão. A apologia ideológica (mistificadora e interessada, conforme indicamos) dos dons e méritos individuais foi deslocada para a apologia, também ideológica, e, portanto, também mistificadora e também interessada, dos dons e dos méritos da profissão. É por isso que o sindicalismo dos trabalhadores da educação e, na verdade, dos trabalhadores “de classe média” em geral padece e se ressente do corporativismo do sindicalismo profissional.
Uma coisa é o trabalhador enaltecer a importância do seu trabalho. Quem trabalha pode e deve faze-lo. E deve faze-lo com orgulho e firmeza para se diferenciar dos que vivem de renda, da propriedade e, sem exceção e mesmo que indiretamente, da exploração do trabalho de terceiros. Porém, outra coisa é o intento de diferenciar, ainda que subliminarmente, entre os diferentes tipos de trabalho e de trabalhadores aqueles que seriam mais importantes e que exigiriam mais dons ou esforços individuais. Não estaríamos incorrendo nessa diferenciação condenável quando afirmamos – o que ocorre, felizmente, cada vez menos – que “as professoras estão ganhando menos que uma empregada doméstica”? que “os professores estão ganhando menos que os motoristas de ônibus”? Como provocação, poderíamos perguntar: o que estamos, realmente, pretendendo? Aumentar o nosso salário ou diminuir o salário de outros segmentos, de modo a preservar, como manda a ideologia meritocrática, uma “justa superioridade” salarial e profissional dos docentes? Nossa profissão é tão importante quanto todas as demais e, de qualquer modo, se se detectasse alguma diferença de importância entre as profissões, ainda restaria por demonstrar que tais diferenças deveriam ser reproduzidas no plano da remuneração. Essa é a luta ideológica que devemos enfrentar para completar, digamos assim, o processo de unificação interna do nosso movimento sindical e aproximá-lo cada vez mais e de maneira cada vez mais sólida da luta geral dos trabalhadores brasileiros, sejam eles trabalhadores manuais ou trabalhadores intelectuais.
__________Este texto é o desenvolvimento do roteiro da conferência proferida pelo autor no Grande Auditório do Centro Anhembi, em São Paulo, durante o 4o Congresso Nacional de Educação (4o Coned).
ARMANDO BOITO JR.
Texto retirado do site: https://www.espacoacademico.com.br/
A nova cara do sindicalismo brasileiro
Aquele que já foi um dos sindicalismos mais combativos nos anos 80 agora se defende dos ataques neoliberais. A tese da ascensão e queda do movimento sindical brasileiro cai por terra quando se analisam os últimos 20 anos de lutas entre capital e trabalho no país. O que se vê é um movimento que encontra seu lugar nas transformações que ocorrem em todo o mundo
WALTER VENTURINI*
A visão da decadência do sindicalismo brasileiro vem amparada por vários elementos, desde a brutal redução do número de greves até a perda de conquistas importantes com a precarização do trabalho imposta pelo neoliberalismo no Brasil. É preciso voltar mais atrás no tempo para perceber que a história sindical brasileira é fora do comum.
Até o final dos anos 80 e mesmo no início dos 90, já com algumas dificuldades, o movimento sindical brasileiro cumpriu o papel de irradiador de conquistas sociais por todo o país. Metalúrgicos, bancários, petroleiros e funcionários públicos foram setores profissionais que marcaram época. Hoje, sua situação mudou. Os dois primeiros vitimados pelas transformações estruturais do mundo do trabalho e os dois últimos como alvo de uma política agressiva do governo neoliberal de FHC.
No fim dos anos 70 e início dos 80, as categorias mais mobilizadas davam o tom das lutas sindicais. Foi assim com as sucessivas políticas de indexação salarial, que uma vez conquistadas por categorias como metalúrgicos, bancários e petroleiros, logo terminaram se tornando regra geral para todos os assalariados. E foi assim também com todos os direitos inscritos na Carta Constitucional de 1988 a partir da pressão das categorias mais organizadas.
"As próprias centrais sindicais foram produto de um enorme investimento por parte deste núcleo mais dinâmico do sindicalismo e tiveram papel importantíssimo na organização de segmentos de trabalhadores sem tradição sindical", afirma o professor Álvaro Comin, do Departamento de Sociologia da USP e pesquisador do Cebrap. Ele acredita que esta capacidade de universalização de ganhos e direitos a partir dos mais organizados é que foi comprometida nesta década que termina. "Muitos sindicatos continuam fazendo das tripas coração para arrancar acordos razoáveis para seus representados e cada vez mais têm conseguido. Só que as conquistas obtidas no ABC ou entre os bancários, por exemplo, não têm a mesma capacidade de irradiação de antes e tendem a se restringir a um número muito limitado de trabalhadores", afirma Comin.
Metalúrgicos e bancários, dois setores importantes do sindicalismo, foram abatidos pelo desemprego. "Os metalúrgicos foram desempregados pela política de desindustrialização dos governos federais ao longo dos anos 90, e os bancários foram desempregados pelas compras, fusões e informatização", relata Armando Boito, professor do Departamento de Ciência Política da Unicamp. Foram fechados centenas de milhares de postos de trabalho nos bancos e na indústria ao longo desta década. Boito, autor do livro Política neoliberal e sindicalismo no Brasil (Editora Xamã), ressalta que a descentralização industrial é outro fator que influenciou o sindicalismo. "Veja-se o caso do Brasil, onde as montadoras estão abrindo ou ampliando instalações em regiões de pouca ou nenhuma tradição sindical. No curto prazo, isso debilita o sindicalismo. Atemoriza os metalúrgicos organizados do ABC e não cria focos novos de sindicalismo operário no Brasil. Porém, a julgar pela experiência da Volkswagen em Resende (estado do Rio), a luta sindical e grevista de metalúrgicos, a médio prazo, estará mais espalhada por todo o país", afirma o professor da Unicamp.
Além dos bancários e dos metalúrgicos, outro setor básico no sindicalismo brasileiro era o funcionalismo público. "Esse setor está ideologicamente derrotado. Os sucessivos governos neoliberais conseguiram apresentá-lo como um bando de ‘marajás’ ou de ‘parasitas’. Esses aspectos político e ideológico foram decisivos no caso do sindicalismo do setor público, que depende, mais do que o setor privado, de um certo apoio da opinião pública para conduzir com sucesso uma greve", analisa Boito, para quem a ideologia neoliberal isolou o servidor público dos usuários, ou voltou esse usuário contra o servidor. Para ele, esse fato representou um golpe para o sindicalismo dessa categoria e esse movimento entrou em refluxo.
Avaliação diferente tem Eduardo Nogueira, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos e autor do livro Entre a lei e a arbitrariedade: Mercado e relações de trabalho (Editora LPR). "O funcionalismo público tem mais capacidade de fazer greve neste momento porque é menor o risco de desemprego. Além disso, o setor público tem capacidade de causar um impacto social com suas greves porque é um prestador de serviços. Tem um impacto imediato na população porque o órgão prestador de serviço não pode estocar esse serviço".
Noronha ressalta que está havendo um crescimento do sindicalismo do setor público em todo o mundo, tanto pelo decréscimo do setor industrial como por um aumento efetivo dos empregos públicos. Mas, nos últimos anos, ele assinala que os salários do setor público cresceram menos do que os do setor privado. Noronha chega a dizer que, devido a essa evolução na capacidade de ação do funcionalismo público, existe a tendência de que os trabalhadores deste setor venham a ocupar os cargos principais dentro das centrais sindicais.
Outro fator que levou o sindicalismo brasileiro ao refluxo foi a repressão. Caso típico foi o da greve dos petroleiros em 1995, quando o governo FHC estrategicamente intensificou a repressão ao movimento. "A greve dos petroleiros é um marco dessa política", assinala Glauco Arbix, professor do Departamento de Sociologia da USP. "Os petroleiros não tinham sido atingidos pelo desemprego e não estavam ideologicamente desmoralizados frente à opinião pública. Tinham um sindicalismo forte. O governo, para dobrá-los, usou a repressão", lembra Armando Boito, ressaltando que, além da ocupação de refinarias com tropas do Exército – a repressão no sentido tradicional do termo –, o governo efetivou a perseguição legal dos sindicatos de petroleiros, com imposição de multas e outras represálias.
Refluxo ou volta à "normalidade"?
O processo de industrialização no Brasil propiciou o crescimento da classe trabalhadora. Esse crescimento estava "encoberto" pelo governo militar. "Politicamente, não se sabia a força latente do sindicalismo. Aquilo explodiu", avalia Eduardo Noronha. Ele entende que hoje o sindicalismo está em seu grau de atividade normal. "O sindicalismo fica frágil se comparado ao período de seu intenso crescimento, que é uma lente que distorce sua compreensão e que produz a concepção de que a perda de ação sindical parece ser muito maior do que realmente é". É de sua autoria um estudo em que o movimento sindical brasileiro é considerado o mais ativo no mundo na década de 80. O caso mais parecido com o nosso, de acordo com Noronha, foi o da Espanha, que passava pelo mesmo processo de transição.
O crescimento do sindicalismo brasileiro, num momento em que nos principais centros industriais do mundo as relações entre capital e trabalho iniciavam mudanças significativas, também é apontado por Glauco Arbix. "O Brasil foi exceção nos anos 80. No mundo inteiro, o movimento sindical estava batendo em retirada, enquanto no Brasil avançava monumentalmente. Mas nos anos 90, o Brasil entra em sintonia com o resto do mundo no que se refere ao declínio do movimento sindical", diz Arbix.
Esse processo de consolidação do movimento tinha ingredientes como a reconquista da cidadania dos trabalhadores. "O movimento começava no operariado e se ampliava com o apoio de toda a sociedade, que via as greves como um desafio ao governo autoritário", explica Eduardo Noronha. Chega-se ao ponto de categorias que não haviam se mobilizado no governo militar passarem a fazer greve no governo Sarney.
Se no final do regime militar a greve era a forma de se abrir negociações, ela passou, no decorrer dos anos, a se firmar como último recurso nas negociações, até se reduzir drasticamente com o desemprego. "Muitos dizem que existem menos greves hoje. Tento mostrar que, anteriormente, não se tinha espaço de negociação. Para ter acordos, era preciso haver enfrentamentos prévios. O MST hoje tem essas características: tem que ocupar, fazer o enfrentamento, para depois haver uma negociação", afirma Luiz Marinho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. "As greves ocorrem quando os sindicatos percebem que ganharam poder. Os salários sempre estão baixos e hoje o principal elemento para se entender a situação do sindicalismo é o desemprego", ressalta Noronha.
"O que existe é um refluxo do movimento sindical, e não um declínio histórico irreversível. Esse refluxo tem como causa uma multiplicidade de fatores econômicos, políticos, ideológicos, nacionais e internacionais e não pode ser deduzido, por exemplo, das novas tecnologias, ou da fragmentação das classes trabalhadoras", afirma Armando Boito.
A lista de razões para o refluxo do movimento sindical é ampla: subcontratações e terceirizações, precarização dos vínculos de trabalho, internacionalização das redes produtivas, redução da classe operária, mudança na forma de organização das empresas, aumento do sindicalismo de classe média, com outra lógica de ação, e principalmente o desemprego.
O movimento sindical não estaria se adaptando aos "novos tempos" das mudanças? Para o professor Álvaro Comin, a resposta é não. "Tais efeitos, longe de serem colaterais ou produto da inadaptação dos sindicatos à ‘nova agenda’, estavam na base do redirecionamento global das políticas econômicas. A retomada do impulso de acumulação e de concentração dos grandes capitais exigiu, antes de mais nada, o acuamento das organizações de trabalhadores como condição para o deslanche das reformas liberalizantes, que de um modo geral se fazem às expensas de direitos sociais e trabalhistas", declara Comin.
No Brasil, o deslanche das reformas liberalizantes teve nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso sua maior expressão. "O governo FHC tem uma rejeição estratégica a negociar com o movimento sindical. É um governo que aniquilou estrategicamente organismos que tinham capacidade de pensar negociações, como as câmaras setoriais. Tudo que apareceu de novo com a reabertura política do país foi sendo lentamente asfixiado", afirma Glauco Arbix, autor do livro Uma aposta no futuro – Os primeiros anos da Câmara Setorial.
No Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o presidente Luiz Marinho sentiu na pele a estratégia do governo de rejeitar a negociação. "Collor e FHC rompem com o processo de institucionalização das relações do trabalho", afirma o sindicalista.
Vicente Paulo da Silva, que presidiu a Central Única dos Trabalhadores de 1994 até maio deste ano, percebeu, de posição privilegiada, o ataque do governo FHC contra o sindicalismo. "O governo percebeu que o sindicato era muito importante. O FHC melou essa importância para garantir a centralização do poder", fala Vicentinho. O que para Vicentinho foi um ato de melar a importância do sindicalismo brasileiro, para Comin tratava-se de romper com uma linha de conquistas de direitos da classe trabalhadora. "A reversão na tendência de crescimento do mercado de trabalho formal, que prevaleceu até a década de 80, não é um produto da natureza, mas sim da decisão política dos governos Collor e Fernando Henrique de romper com o longo processo de institucionalização das relações de trabalho e do direito social no Brasil", afirma.
O poder de fogo dos sindicatos foi reduzido aqui e também em países que vivem situações análogas, como a Argentina e o México. "É difícil acreditar que, quaisquer que tivessem sido as opções políticas dos sindicatos, seu poder de fogo tivesse sido preservado", afirma Álvaro Comin.
Novos parâmetros
O que fazer diante desse ataque é questão vital para as centrais sindicais. "As centrais sindicais ainda não se aperceberam inteiramente dessas mudanças. Muitas vezes, tentam agir com os mesmos parâmetros da década de 80", afirma Noronha, que também destaca o trabalho da imprensa naquela década, quando as mobilizações sindicais mereciam mais espaço nos noticiários. "Antes, a mídia fazia o trabalho das centrais, o sindicalismo estava em pauta", explica.
"Se com os governos civis houve um comportamento tão duro como no governo militar, percebemos a importância da formação e também introduzimos um novo tipo de sindicato, com uma ligação mais estreita com a sociedade: o sindicato-cidadão", explica Vicentinho para mostrar uma mudança na forma de atuação. Ele aponta também iniciativas em direção ao incentivo das cooperativas e empresas de autogestão, para as quais a CUT criou a Agência de Economia Solidária. "Vivemos um outro período, que só vamos perceber melhor daqui a uns cinco anos", concluiu o ex-presidente da CUT.
Logo após sua fundação, a Central Única dos Trabalhadores tinha 362 sindicatos filiados (1983). Em maio deste ano, a CUT contabilizava a filiação de 3.056 entidades de base, quase dez vezes mais. Mas nos últimos dez anos os efeitos das transformações aparecem. Em São Paulo, a base metalúrgica caiu de 400 mil para 170 mil trabalhadores. No ABC, a base do Sindicato dos Metalúrgicos se reduziu de 200 mil para 105 mil.
Álvaro Comin afirma que não é o caso de se isentar a CUT ou outras centrais da responsabilidade de produzir alternativas políticas e organizacionais, mas também não joga em suas costas uma responsabilidade que claramente lhes escapa sob vários pontos de vista. "Os sindicatos estão procurando manter espaço e influência através de iniciativas como formação profissional, ou buscando organizar trabalhadores informais. É ótimo que o façam, mas decididamente não é daí que vem o poder político que em parte perderam frente ao Estado e ao patronato", avalia Comin.
Outra estratégia
Nascida com o estigma de ser o contraponto da CUT, a Força Sindical parece ter se adaptado mais rapidamente às transformações do mundo do trabalho. Nos últimos anos, enquanto a CUT investia em curso de formação e reciclagem profissional, a Força também montava sua central de empregos e formação, além de uma entidade organizadora das atividades cooperativistas entre trabalhadores.
"A trajetória das políticas econômicas ao longo destes últimos dez anos foi de tal forma nociva ao assalariado, que nem mesmo uma central que sempre buscou o alinhamento com os governos de centro-direita, como a FS, pode se manter na posição de colaboração", analisa Comin. O pesquisador do Cebrap também acredita que, não sendo talhada para a contestação, não resta à Força Sindical muito espaço. Ele também não acredita que esta central ou suas lideranças venham a desaparecer, já que suas máquinas sindicais estão muito bem consolidadas.
Glauco Arbix tem outra visão: "Tanto a CUT como o PT desprezam o papel da Força Sindical, que ocupa a mídia e trabalha com parte significativa da imagem que os trabalhadores fazem do sindicalismo. Eles têm certo sucesso com o dinheiro que conseguem do FAT, com iniciativas como a Central de Emprego, quando milhares e milhares de pessoas procuram a Força Sindical em busca de assistência", afirma Arbix, que ressalta não defender a Força, mas acreditar que "o desprezo a ela leva a erros muito grandes". Ele diz que a CUT poderia ter uma atitude mais agressiva, do ponto de vista propositivo, em relação à Força Sindical, e lembra das jornadas conjuntas entre as duas centrais, em setembro do ano passado, quando houve greve nas montadoras do Brasil inteiro. "A Força Sindical ocupa um lugar extremamente importante no movimento sindical, antiCUT, antiPT, mas o Brasil é grande o suficiente para que haja espaço para uma central desse tipo".
Partido e sindicato
No processo de transformações do mundo do trabalho que ocorreu no Brasil, o PT foi elemento importante e até mesmo determinador de linhas de atuação do sindicalismo, como conta Arbix. Participando como observador do Congresso Nacional dos Metalúrgicos da CUT em 1993, ele presenciou uma discussão sobre a necessidade da central elaborar propostas que acompanhassem as mudanças que ocorriam tanto no Brasil como no resto do mundo. "Num dado momento, um dos oradores disse que eles estariam ferrados se o Lula tivesse ganho a eleição em 1989 porque o movimento sindical não tinha propostas abrangentes", conta.
Para Arbix, muito mais do que as transformações nas relações de trabalho, foi o PT que incentivou o movimento sindical, principalmente a CUT, a se preparar para a possibilidade dos trabalhadores estarem no governo e terem de dar diretrizes para o país.
"A perspectiva de ser governo realçou vários pontos polêmicos da prática sindical. Ser governo significa ter o que dizer sobre uma série de coisas, como, por exemplo, a reestruturação produtiva. Os sindicatos não tinham uma postura crítica sobre essas questões", afirma Arbix. Para ele, a partir de então, os sindicatos passaram a ficar mais permeáveis à idéia de negociação.
Se Lula fosse eleito presidente da República, os sindicatos iriam ter um peso em questões como reestruturação produtiva, modernização industrial, introdução de novas tecnologias, ganhos de produtividade e outros pontos do que poderia ser uma nova agenda das relações entre trabalho e capital. "Eles não tinham elaboração para uma série de pontos e estavam sendo chamados a opinar. Nos anos 80, por exemplo, seria impossível para os sindicatos discutir a terceirização. A agenda sindical mudou e o peso da ação política foi muito importante", conclui Arbix.
O que pode estar por trás da mudança da agenda pode ser a percepção de uma nova postura do movimento sindical e de seu papel na sociedade. Não que o conflito entre capital e trabalho tenha sido extinto, mas que o sindicalismo brasileiro tenha cumprido a tarefa de abrir caminhos na época de transição da ditadura militar para um regime com mais liberdades civis, mesmo que com uma ação também ofensiva em relação aos trabalhadores. Em meio à ofensiva neoliberal, Armando Boito vê a greve dos servidores federais deste ano como um sinal de que o movimento sindical poderá surpreender a muitos com uma nova vitalidade. "O movimento sindical não se reerguerá sozinho. Assim como seu refluxo está inserido num quadro de refluxo do conjunto do movimento antiimperialista, popular e socialista, a sua recuperação depende também da recuperação de toda a esquerda socialista e antiimperialista", finaliza.
Já para Eduardo Noronha, "o sindicalismo brasileiro não poderia desempenhar mais aquele ‘papel heróico’ que tinha cumprido desde o final dos anos 70 até o fim do regime militar. Aquele processo tinha ingredientes como a reconquista da cidadania dos trabalhadores e havia uma simpatia de todas as classes. Muitas pessoas que não eram de esquerda apoiaram as greves naquela época" conta Noronha, que ressalta o contraste com a situação atual, quando uma manifestação na avenida Paulista pode provocar reações contrárias na opinião pública, preocupada com a circulação de veículos na cidade. "Hoje, o Brasil entra no caminho normal das democracias, e o sindicalismo, em seu papel de negociador nas relações de trabalho e não mais de vanguarda", analisa. Para Noronha, esse papel hoje é desempenhado parcialmente pelo MST, tanto na mídia como no imaginário popular, mas com um grau menor de simpatia. "Agora chegou a vez da área rural dizer que existe", conclui.
*Walter Venturini é jornalista.
Texto retirado do site: https://www.fpabramo.org.br
CRONOLOGIA
Arquivo SMABC
Era uma vez uma inflação que viveu camuflada por muito tempo entre as pessoas. Todo mundo sentia sua incômoda presença nos salários que diminuíam e nos preços que subiam. Mas o general de plantão e seu ministro (nesta história estes papéis cabem a Médici e Delfim) negavam a existência de tal bicho em tamanhas proporções. Até que um dia o rabo aparece e, pelo tamanho do rabo, dava pra se ver o tamanho do bicho. Em 77, o Banco Mundial publica em uma nota ao pé de página de seu relatório, que a inflação no Brasil, de 73 a 74, havia sido de 23,5% e não de 15,4% como haviam divulgado à população, que até saber da verdade, estava crente no milagre. A notícia se espalhou e chegou no ABC. Os metalúrgicos resolveram cobrar o prejuízo acumulado (34,1%, segundo cálculos do DIEESE), daí, era uma vez um milagre. Começava um novo sindicalismo, que iria ser decisivo na recondução do País à democracia.
1978
A história do novo sindicalismo no Brasil começa aqui, quando os trabalhadores da Scania, uma montadora de veículos em São Bernardo do Campo, ABC Paulista, realizam uma greve por reajuste salarial. O movimento desafia a Lei de Greve, imposta pelo regime militar. É um gesto corajoso. O regime responde com dureza a ousadia dos metalúrgicos. Depois disso, muita coisa começa a mudar no País.
1979
O general João Batista Figueiredo assume o comando e, em seu discurso de posse, promete fazer do País uma democracia. E quem fosse contra, ele arrebentava e mandava prender. Dito e feito ao contrário. A ditadura baixa a repressão em cima dos metalúrgicos, que lutam justamente por democracia. O governo intervém no sindicato pela Segunda vez depois do golpe de 1964.
1980
O sindicato volta para as mãos dos trabalhadores, que reiniciam a luta. O governo intervém novamente. Lula, principal líder dos metalúrgicos e vários diretores do sindicato são presos. Os confrontos de trabalhadores e policiais transformam São Bernardo em campo de batalha. Cresce o movimento por anistia ampla geral e irrestrita no País. Para tentar conter o avanço da democracia, a extrema-direita apela para o terror. Fruto da luta dos metalúrgicos do ABC, nasce o PT, Partido dos Trabalhadores, que marcaria de forma definitiva o cenário político do País, defendendo as questões sociais do trabalhador.
1981
As bombas da extrema-direita continuam a explodir. Dessa vez o tiro sai pela culatra. No dia 1º de maio, uma bomba explode no colo de um sargento do Exército dentro de um carro no estacionamento do Riocentro (RJ), onde se realizava um show de comemoração ao 1º de maio. Os trabalhadores reassumem novamente o sindicato. Na Ford, surge a primeira comissão de fábrica dos trabalhadores. Nos Estados Unidos, surgem os primeiros casos de AIDS.
1982
As novas tecnologias chegam em algumas fábricas do ABC trazendo a automação para as linhas de produção e aumentando o número de desempregados na categoria. Em novembro acontecem as primeiras eleições livres para governadores, prefeitos e vereadores depois do golpe militar de 1964. Para um partido estreante e contando apenas com o apoio de sua militância, o PT obtém expressivo número de votos. Inglaterra e Argentina entram em guerra pela posse das ilhas Falklands/Malvinas.
1983
Este é o ano em que o governo do general Figueiredo usa e abusa dos decretos-lei (2.012, 2.036, 2.045, 2.064, 2.065...) Todos surgem as medidas recessivas impostas pelo FMI à economia do País. Os metalúrgicos realizam greves por reposição salarial e contra as medidas do governo. O sindicato sofre sua quarta intervenção. A CUT (Central Única dos Trabalhadores) é fundada em 28 de agosto.
1984
Os metalúrgicos do ABC colocam em prática a Operação Tartaruga dentro das fábricas. A operação consiste em desacelerar a produção para obrigar os patrões a negociarem reajustes salariais. Liderado pelo PT, o movimento pelas eleições diretas cresce em todo o País e atrai diversos partidos políticos para o palanque das eleições livres para presidente. Mas no dia 25 de abril, o Congresso Nacional frustra o desejo de milhões de brasileiros e nega o direito do voto popular para escolha do presidente da Nação.
1985
O povo não vota, mas Tancredo Neves é o novo presidente eleito pelo Colégio Eleitoral no dia 15 de janeiro. O país assiste a agonia e morte do presidente eleito sem vê-lo tomar posse. No dia 15 de março assume Sarney, o vice. O povo acumula frustrações. Além de não votar para presidente, seria governado por um vice. Muitas greves acontecem neste ano e a principal reinvindicação de todas elas é a redução da jornada sem redução de salário. Os metalúrgicos não querem apenas ter mais qualidade de vida, eles também querem mais emprego e a redução é a solução.
1986
Em fevereiro, o governo lança o Plano Cruzado, que reajusta os salários pela média dos últimos seis meses e congela os preços a partir da data de sua divulgação. Em maio, começam os boicotes de produtos, e o primeiro a desaparecer do mercado é o leite. Apesar das folhas do plano, o governo mantém os preço congelados até as eleições e se utiliza do pacote como cabo eleitoral vencendo as eleições na maioria dos Estados. Imediatamente após as eleições, o governo faz reajustes no plano e lança o Cruzado II, com aumento de tarifas e medidas para conter o consumo. Pecuaristas sabotam o mercado para aumentar os preços e escondem o boi morto. O governo não age com a mesma energia com que combate os trabalhadores e a carne some do mercado. Quando aparece vem com a cobrança de ágio. O governo anuncia oficialmente que não tem mais controle sobre os preços. Mikhail Gorbatchov inicia a abertura política e econômica (Glasnost e Perestroika) na ex-União Soviética.
1987
O ano começa com o Cruzado II. Novos ajustes, mais arrocho. A dívida externa é de 108 bilhões de dólares. Em todo o Brasil, surgem manifestações de protesto contra as medidas econômicas. Em agosto, a população chega a saquear supermercados. O Plano Bresser vem com novas medidas que apertam ainda mais o cinto da população. Os trabalhadores fazem pressão para a participação popular na Assembléia Nacional Constituinte.
1988
No começo do ano, no dia 04 de janeiro. O Brasil perde o humor de Henfil, que retratava como ninguém as mazelas do País e combatia o regime militar com implacável ironia e sarcasmo. Internado desde agosto do ano interior morre vítima de Aids, contraída em uma transfusão de sangue. Sarney quer ficar mais um ano no poder e para isso barganha votos com os parlamentares do Centrão, conhecidos pelo fisiologismo da política do é dando que se recebe. O sindicato inicia a campanha por eleições diretas em 88. Na Polônia, os trabalhadores do estaleiro de Gdansk lutam por democracia. No dia 05 de junho, o Centrão consegue aprovar cinco anos para Sarney. Os trabalhadores reconhecem avanço na nova Constituição. O país entra na hiperinflação e as perspectivas são de 830% para o final de ano. Na Bolívia, a inflação já bate os 30.000%. Três trabalhadores são mortos pelo Exército na ocupação da Companhia Siderúrgica Nacional, de Volta Redonda (RJ). O sindicalista Chico Mendes é assassinado em Xapuri, no Acre, em 22 de Dezembro. A notícia tem repercussão mundial. O ano termina com um saldo de 150 trabalhadores rurais mortos em conflitos de terra no País.
1989
O ano começa com o naufrágio do Bateau Mouche no reveillón carioca. Depois do Cruzado I e II e do plano Bresser, o governo anuncia o plano verão e institui o empréstimo compulsório. Em todo o país, greves atingem 2.5 milhões de trabalhadores. Paralisações em São Bernardo chegam ao 18º dia; os trabalhadores realizam uma passeata em direção a Diadema. No caminho são recebidos pela polícia. No confronto com os policiais, quatro trabalhadores são baleados. Socorridos a tempo pelos companheiros, os quatros sobrevivem. Na Argentina, o Plano Austral afunda, a inflação é de 4% ao dia. O Brasil vai ao segundo turno. Com o apoio do maior e mais poderoso veículo de comunicação do País, Collor é vendido como um produto, o Caçador de Marajás. Lula, candidato do PT, sem contar com o apoio da mídia e de grande parte da elite, tem sua campanha bancada pela militância do partido. Apresenta um projeto político e econômico para os problemas brasileiros com a perspectiva do trabalhador, tendo como prioridade as questões sociais. Collor vence no segundo turno, com a promessa de acabar com a inflação e a corrupção no País. Cai o muro de Berlim.
1990
O Presidente eleito Fernando Collor, começa o ano de férias no circuito Ilhas Seychelles - Europa. Com avião particular, empregados e convidados, hospeda-se em hotéis de alto luxo e come nos mais finos restaurantes. O Brasil está entrando no Primeiro Mundo. O novo presidente parece ter trânsito livre nos melhores salões do mundo. No dia 16 de março, um dia depois de sua posse, Collor e Zélia Cardoso, ministra da economia, anunciam as novas medidas econômicas. Por meio de um pacote com 17 medidas provisórias, Collor apodera-se de quase todo o dinheiro depositado no Banco e nas instituições financeiras do País, inclusive nas cadernetas de poupança. Quase todo, porque ele mesmo, equipe econômica, amigos, parentes e afins, coincidentemente, não tinham nenhuma grande quantia depositada ou aplicada no dia do anúncio no dia das medidas. O restante de desavisados, milhões de brasileiros, estão perplexos, acabavam de ser roubados. Collor dá seu show de proezas atléticas pilotando caças, jet-ski e motocicletas contrabandeadas. Pequenos comerciantes em dificuldades financeiras fecham as portas. A única bala que ele diz ter para acabar com a inflação falha. Collor, em nova tentativa, apela para as artes marciais e diz que desta vez derrotaria a inflação com um ippon (Golpe fatal do Karatê). Em setembro são encontrados 1700 corpos enterrados em vala comum no cemitério Dom Bosco, em Perus, zona norte de São Paulo. Os corpos são de militantes paulistas desaparecidos durante a ditadura militar. O Iraque invade o Kuait e a Alemanha é reunificada.
1991
Os Estados Unidos iniciam um ataque ao Iraque, começa a guerra no Golfo Pérsico. No Brasil, o plano imexível precisa de alguns ajustes. Um novo pacote vem para arrochar ainda mais os salários dos trabalhadores. Supermercados fecham as portas durante o horário comercial para a festa de remarcação de preços. O sindicato acaba com o imposto sindical, instituído por Getúlio Vargas como forma de manter o sindicato atrelado com o governo. A inflação acumulada de março de 90 a março de 91 era de 931,45%, segundo cálculos do Dieese. Collor diz que tem aquilo roxo. Zélia perde o controle da paixão e da inflação, aos olhos de todos dança um bolero caliente com o então ministro da Justiça, Bernardo Cabral. Em outubro, o sindicato propõe o contrato coletivo de trabalho, que prevê liberdade e autonomia sindical em substituição à CLT (Consolidação das Leis de Trabalho) da época de Getúlio Vargas. Em dezembro, o Sindicato realiza uma vigília contra a recessão para discutir soluções para a crise econômica, com a presença do governador do Estado, da prefeita de São Paulo, do presidente da Fiesp, de líderes religiosos, de artistas e de milhares de trabalhadores. O Sindicato traz toda a sociedade para discutir juntos novos caminhos para o Brasil. Começa a guerra civil entre sérvios e croatas, na ex-Iugoslávia.
1992
Em 17 de janeiro, Magri, ministro do trabalho, sai do governo desmoralizado e famoso pela criação do termo imexível e por dizer que sua cadela é um ser humano. É o oitavo ministro a deixar a posto desde a posse de Collor. No vocabulário econômico surge a palavra estagflação, mistura de inflação com recessão. O Sindicato propõe a produção de carros populares como alternativas de desemprego na Câmara Setorial da Indústria Automobilística em Brasília. Na imprensa, Pedro Collor, irmão do presidente faz sérias acusações denunciando esquema de propina no governo comandado por Paulo César Farias, O PC, ex-tesoureiro da campanha de Collor. Em maio, o Partido dos Trabalhadores pede a abertura de uma comissão parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o enriquecimento de PC. Em julho o Sindicato realiza a Vigília da Terra para discutir a reforma agrária. Liderados pelo PT e pela CUT, o Movimento pela Ética na Política realiza no dia 08 de agosto a primeira grande manifestação pedindo o impeachment de Collor, na praça da Sé em São Paulo. Elle aparece na TV e pede a nação que vista verde e amarelo para demonstrar apoio ao seu governo. O tiro sai pela culatra. De forma espontânea, a população decide se manifestar saindo às rua vestida de preto, representando o luto da nação pela corrupção no governo. No dia 29, os metalúrgicos decretam uma greve cívica para acompanhar a votação do afastamento de Collor. Todo o ABC converge para o Paço Municipal de São Bernardo. Por 441 votos a favor, 32 contra e 23 ausências e abstenções, Collor é afastado da presidência. Itamar Franco, o vice de Collor, assume. No dia 2 de outubro a Polícia Militar do governo Fleury invade o Pavilhão 9 do Carandiru para reprimir uma rebelião e mata 111 presos.
1993
Itamar recebe de Lula, presidente do PT, o programa petista de combate à fome, elaborado pelo partido de 91. O programa é elogiado por Itamar, mas quem acaba de fato assumindo a idéia, de corpo e alma, é Betinho, na época conhecido como irmão do Henfil. O então ministro do governo de Itamar, Fernando Henrique Cardoso, anuncia seu plano econômico, na época, chamado de Plano Verdade. Segundo Fernando Henrique, o plano tem três fases. A que está sendo implantada é de controle de gastos públicos e por enquanto, não interfere nos salários. PC Farias some do mapa em julho. Policiais atiram em meninos e meninas que dormiam na praça da Igreja Candelária, no Rio de Janeiro. Morrem seis meninos. A repercussão do caso alcança o mundo, que volta a se estarrecer com o país da miséria, da violência e da impunidade. A PF procura PC. O governo corta três zeros do cruzeiro, que posteriormente, passaria a se chamar Real. Policiais são autores de mais uma chacina no Rio, dessa vez são 21 mortos na favela do Vidigal. A Argentina adota o plano Cavallo contra a inflação. O Sindicato realiza a Vigília pela Criança e pelo Adolescente. A campanha contra a fome cresce no ABC. Em outubro, estoura o Escândalo do Orçamento. José Carlos Alves dos Santos, diretor do Orçamento da União, é acusado da mandar matar sua mulher. As investigações revelam que, enquanto exerceu o cargo, durante o governo Collor, José Carlos montou uma verdadeira quadrilha de desvio de verbas da União. Em seu depoimento, dá o nome de vários parlamentares que participaram do esquema. O líder do grupo é o deputado João Alves que se defende das acusações dizendo que sua fortuna vem da sorte de ter ganhado 121 vezes na Loteria, com as graças de Deus. No dia 29 de novembro, PC Farias é preso na Tailândia. No dia 07 de dezembro, Fernando Henrique, anuncia a segunda fase de seu plano econômico. Entre as medidas, a criação da URV (Unidade Real de Valor), índice de correção de preços para a transição da nova moeda, o real, que passaria a vigorar na fase final do plano, prevista para 94. A categoria intensifica a arrecadação de alimentos para o Natal sem fome. Betinho torna-se símbolo da campanha.
1994
Na implantação da URV, os salários são convertidos pela média dos últimos 12 meses, o que significa perdas salariais para os trabalhadores que já acumulam prejuízos com a inflação, que em março é de 45,71%. Em abril os negros da África do Sul, maioria da população, recuperam o direito de votar e elegem Nelson Mandela, o primeiro presidente negro do país e inauguram com festa a democracia e fim do apartheid. Fernando Henrique assume a candidatura à presidência e passa o cargo de ministro da Fazendo para Rubens Ricupero. Em 1º maio, Dia do Trabalhador, morre Ayrton Senna, piloto tricampeão da Fórmula-1. A nação inteira chora a morte do ídolo que representava o Brasil com vitórias espetaculares. Ricupero vai a TV para explicar como seria a transição da URV para o real e deixa todo mundo confuso com palavras como paridade fixa, conversibilidade, variação cambial... Durante esse processo de transição, o país tem duas moedas em circulação - o cruzeiro real e o real, sem contar o URV, uma confusão danada. Em 1º de julho é implantado o real e a população tem um prazo de 15 dias para fazer a troca de cruzeiro real por real nos bancos. Quem faz compras não pode esquecer de levar a tabela de conversão, mesmo assim a confusão é grande. O Brasil torna-se campeão mundial de cólera. A seleção é tetracampeã sem ter mostrado muito futebol. Usando a máquina do governo e o Real como cabo eleitoral, Fernando Henrique se elege no primeiro turno. Logo após as eleições, o governo faz reajustes e lança um pacote anticonsumo, aumentando os juros. A inflação é de 3,17%. Em novembro, o Exército ocupa os morros do Rio. No dia 8 de dezembro, a poesia, a natureza, o Brasil, o mundo e a música perdem Tom Jobim. PC Farias é condenado a 7 anos de prisão em regime semi-aberto e ao pagamento de uma multa de 200 salários mínimos - na época R$ 21 mil - por movimentar contas fantasmas. PC Farias comemora. Fernando Henrique termina o ano como Papai Noel, distribuindo cargos aos aliados.
1995
O México quebra e os Estados Unidos passam o chapéu para cobrir o rombo. Fernando Henrique barganha as reformas Constitucional e da Previdência. Sindicato realiza a vigília em Defesa da Previdência. Greve dos petroleiros dura 32 dias e refinarias são ocupadas pelo Exército. Com a participação do Sindicato no processo de negociação, trabalhadores da Mercedes-Benz são os primeiros a fechar acordo de participação nos lucros e resultados. No primeiro ano do Real as fábricas anunciam férias coletivas - um nítido sinal de recessão e desemprego à vista. Número de inadimplentes é recorde no SPC. PC Farias é liberado para voltar para casa. Com o Proer, o governo despeja bilhões de reais para socorrer bancos falidos. Quem paga a conta é o contribuinte. Enquanto a inflação cai, o desemprego sobe. Flexibilização, reestruturação, globalização e custo Brasil são novidades para justificar o desemprego. Escândalo do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia) derruba o ministro da Aeronáutica e um assessor próximo a Fernando Henrique. Em dezembro, sindicato propõe a Câmara Regional do ABC para discutir os problemas da região.
1996
O frango, símbolo do sucesso do Real por seu baixo preço, sofre reajuste de 50%. Desemprego é o pesadelo do Plano Real. Em março na convenção para definir a chapa que representaria o Sindicato na eleição para a nova diretoria, surge uma dissidência. Alguns diretores, derrotados na convenção, rompem com a idéia da unificação e formam um grupo dissidente em Santo André. Com chapa única, Luiz Marinho é eleito presidente com 97% dos votos. Polícia Militar mata 19 (número oficial) trabalhadores sem-terra em Eldorado dos Carajás, no Pará. Mais uma imagem do Brasil que ganha o mundo. Na manhã de 23 de junho, PC Farias e sua namorada são encontrados mortos no quarto na residência de PC, em Alagoas. No dia seguinte ao crime, antes da chegada dos peritos, irmãos de PC Farias mandam lavar o quarto e queimar o colchão, o que dificulta as investigações. A morte de PC fecha um ciclo de histórias de crimes e tragédias do governo Collor. Pedro, o irmão do delator, morre vítima de tumor no cérebro. Logo após Elma Farias, mulher de PC, morre em conseqüência de infarto. Fechando o ciclo de tragédias, PC Farias é assassinado e tornando-se arquivo morto da corrupção no País. Eleições gerais inauguram o voto eletrônico na maioria das capitais brasileiras.
1997
Estoura o escândalo dos precatórios, envolvendo Banco Central, governadores e prefeitos de vários estados e municípios. Paulo Maluf é o mentor de todo o esquema, que também envolve Celso Pitta, prefeito de São Paulo e afilhado político de Maluf. Relatório final da CPI acusa mais de 50 pessoas, mas depois de um conflito político envolvendo Câmara e Senado, surge um novo relatório mais brando e omisso: ninguém é condenado. Números de fevereiro revelam que governo Fernando Henrique é recordista em apresentação e reedição de medidas provisórias, com 1.249 emendas. O mundo se espanta com a noticia de clonagem em seres vivos. Estudo da ONU e do Banco Mundial aponta o Brasil como o país com a maior desigualdade social. Por outro lado, o Brasil tem a segunda maior frota de jatos executivos do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos. Cesta básica custa mais que o salário mínimo. Sindicato discute seu futuro no 2º Congresso dos Metalúrgicos do ABC. Imagens veiculadas pela tevê em todo o Brasil e no mundo denunciam a violência da Polícia Militar em uma blitz na favela Naval, em Diadema. No dia 17 de abril, marcha do Movimento dos Sem-Terra chega a Brasília acompanhada de milhares de trabalhadores. Encontro fica registrado como o maior ato de oposição ao governo, com aproximadamente 100 mil pessoas. Nas madrugada de 20 de abril, dia seguinte ao dia do Índio, garotos de classe média de Brasília põem fogo em um índio que dormia num ponto de ônibus. Para justificar o crime, eles dizem que pensavam ser um mendigo e queriam pregar uma peça uma brincadeira... Mais uma vez, o Brasil choca o Mundo. A justiça não considera como homicídio qualificado, o que resulta no abrandamento da pena dos autores da selvageria. A moda pega e, dias depois, um mendigo é incendiado em São Paulo. No dia 09 de agosto morre Herbert de Souza, o Betinho, um exemplo de luta pela vida. Aprovada a emenda da reeleição.
DO “NOVO SINDICALISMO” À “CONCERTAÇÃO SOCIAL” ASCENSÃO (E CRISE) DO SINDICALISMO NO BRASIL (1978-1998)
RESUMO
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 15, p. 111-124, nov. 2000
I. INTRODUÇÃO
Um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX é a destruição do passado, ou melhor, a destruição dos mecanismos que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas. É o que Hobsbawm em sua obra Era dos extremos – o breve século XX (1914-1991) caracterizou como sendo uma “presentificação” que dissolve a memória histórica. Diz ele: “Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem” (HOBSBAWM, 1995, p. 13). Na verdade, homens e mulheres sem consciência do passado não podem construir o futuro. Não seria isso o “fim da história”? Talvez por isso seja importante realizarmos eventos onde possamos nos lembrar – e discutir – o nosso passado público, resgatando a memória histórica, refletindo não apenas sobre o passado distante, mas o passado recente, da nossa geração. Mesmo para aqueles que viveram o Brasil dos últimos 20 anos, alguns acontecimentos históricos parecem distantes, e é urgente refletirmos sobre isso, pois, como diz o ditado latino, aqueles que não compreendem o passado estão condenados a repeti-lo. Marx complementaria: primeiro como tragédia, depois como farsa. Os últimos 20 anos de história do Brasil parecem demonstrar isso – de 1978 a 1998, vivemos 10 anos de tragédia social, da “década perdida”, da luta social e política de resistência à truculência do bonapartismo militar e de construção das liberdades políticas, e 10 anos de farsa democrática, do estertor da “Nova República” e da nova prepotência liberal, do consenso imposto pelas elites financeiras indiferente às necessidades sociais.
A trajetória do sindicalismo no Brasil de 1978 a 1998 aparece como uma passagem, no plano da estratégia sindical, da confrontação à cooperação conflitiva, ou ainda, da luta de classes na produção para uma “convergência antagônica”, ou um sindicalismo de participação ou de “concertação social”, que é, nada mais, nada menos, que um defensivismo de novo tipo, de cariz neocorporativo. O que procuramos caracterizar aqui é a prevalência progressiva na prática sindical hegemônica da CUT nos anos 90 desse neocorporativismo operário, que tende a debilitar a perspectiva de classe que caracterizou a luta política e sindical no Brasil dos anos 80.
PALAVRAS-CHAVE: sindicalismo; neocorporativismo; reestruturação produtiva; toyotismo; movimento operário.
Em nossa exposição iremos privilegiar alguns elementos para refletirmos sobre os eventos históricos que marcaram os últimos 20 anos no Brasil, de 1978 a 1998, e que podem caracterizar a ascensão e crise do sindicalismo no Brasil. Essa é a nossa idéia central: vivemos, nesse período, de 1978 a 1998, uma ascensão (e crise) do sindicalismo como movimento social e político no país.
A trajetória do sindicalismo, nesse período, insere-se em um processo histórico que se caracteriza pela crise do bonapartismo militar e pela passagem (e consolidação) da nova república liberal.
Ela se insere num cenário de crise do padrão de industrialização substitutiva, que estruturou, nos últimos 30 anos, o processo de acumulação capitalista no Brasil moderno, e que dá lugar, a partir de 1990, a uma inserção dependente da economia brasileira ao capitalismo mundial.
A data significativa é maio de 1978. É a partir daí que tivemos o ressurgimento do movimento sindical no país, que iria tornar-se a “ponta de lança” da resistência operária à superexploração da força de trabalho, um dos pilares do padrão de acumulação capitalista, instaurado pelo bonapartismo militar a partir de 1964. Quando a classe operária do principal complexo industrial do país, o ABC paulista, insurge-se contra o arrocho salarial, ela atinge, de modo fulminante, a lógica da acumulação capitalista vigente no país. As greves dos metalúrgicos do ABC paulista servirão de referência política para a série de movimentos grevistas no Brasil daquela época, envolvendo toda a classe trabalhadora. A partir de 1978, a classe operária entra em cena – ou para ser mais preciso, a classe trabalhadora, pois o movimento social atinge dos operários industriais a funcionários públicos. Todos pertencem ao mundo do trabalho, ou a “classe-que-vive-do-trabalho” (ANTUNES, 1995). Exige-se democracia política e social, denuncia-se o “modelo” de desenvolvimento capitalista no país, a super-exploração da força de trabalho, a imposição de “pacotes” econômicos que implementam, principalmente a partir da “crise da dívida” em 1981, o receituário de ajuste ortodoxo do FMI, a capitulação ao capitalismo financeiro internacional que exige o pagamento da dívida externa.
A partir de 1978, o cenário político e social é rico em experiências de organização e luta da classe trabalhadora no Brasil, numa perspectiva de unidade e luta contra o governo e contra os patrões.
É uma luta salarial, de caráter generalizante, que envolve uma série de categorias assalariadas.
Surge uma série de fóruns intersindicais. A expressão política do novo processo social, que se deflagra em maio de 1978 no ABC paulista, é a criação, num primeiro momento, de uma nova esquerda – o PT –, ao lado de outras organizações políticas de esquerda e, mais tarde, em 1983, da CUT, ao lado de outras articulações intersindicais, como o CONCLAT, que daria na CGTs. É possível salientar ainda uma série de eventos de greves gerais e de greves por categorias, e ainda greves por empresas, que atingem as mais diversas expressões da classe trabalhadora e uma série de manifestações que indicam, no decorrer dos anos 80, o espírito de luta e resistência operária e popular, de um Brasil que clamava por democracia política e social. Era uma “explosão do sindicalismo”, ou ainda, de um “novo sindicalismo”, que surgia e se desenvolvia a partir de um mundo do trabalho estruturado, resultado da expansão capitalista dos anos 60 e anos 70.
A ascensão do sindicalismo, o despertar da “sociedade civil”, dos “novos movimentos sociais”, se utilizarmos uma expressão tão cara na época, caracterizam o ocaso do bonapartismo militar.
O resultado político imediato, num cenário de renascimento do movimento sindical e popular, é o “Movimento das Diretas Já” – um processo político que, apesar da participação operária e popular maciça, esteve sob a hegemonia de uma burguesia liberal insatisfeita com os rumos da crise do padrão de acumulação capitalista no país. São acontecimentos que caracterizaram um Brasil de esperança, que, entretanto, inseria-se num cenário mundial nada promissor – a mundialização do capital avançava nos países capitalistas centrais, impulsionada pela política neoliberal (ALVES, 1999). Nesses países, assistíamos a uma crise do sindicalismo e dos partidos de esquerda. O Brasil, um país capitalista importante na geopolítica do “Terceiro Mundo”, nos anos 80 estava por fora da nova ordem mundial capitalista instaurada pela globalização. O que viria a seguir, nos anos 90, seria a grande sincronia histórica da ordem capitalista no Brasil com o que ocorria lá fora, inserindo-se, de modo dependente (e subalterno) na mundialização do capital sob o signo das políticas neoliberais. Foi essa a função histórica dos governos neoliberais dos anos 90. É o novo tempo da era neoliberal que iria dar um novo ritmo no movimento social e político no Brasil. Instaurou, na verdade, uma descontinuidade importante. A “explosão do sindicalismo” seria seguida, a partir dos anos 90, com maior intensidade, de uma crise do sindicalismo que assumiria diversas formas. O mundo do trabalho estruturado (e integrado), das indústrias e dos serviços, base do sindicalismo de classe organizado no país, que lutou (e construiu) o “novo sindicalismo”, iria ser alvo de um ofensiva do capital na produção. Surgiria, a partir daí, um novo (e precário) mundo do trabalho (ALVES, 2000).
A trajetória dos últimos 20 anos de sindicalismo no Brasil é, como salientaram vários autores (Iram Jacome Rodrigues, Francisco de Oliveira e Armando Boito), de uma passagem, no plano da estratégia sindical, da “confrontação à cooperação conflitiva” (RODRIGUES, I., 1995), ou ainda, da luta de classes na produção para uma “convergência antagônica” (OLIVEIRA, 1993), ou uma sindicalismo de “concertação social”, que é, nada mais, nada menos, que um defensivismo de novo tipo, de caráter neocorporativo. Diríamos que tende a prevalecer cada vez mais, na prática sindical, principalmente hegemônica no interior da CUT, um neocorporativismo operário, que tende a debilitar a perspectiva de classe que caracterizou a luta política e sindical nos anos 80.
Mas a efervescência política e social dos anos 80 ocultou os primórdios de algo que iria assumir novas proporções sob a era neoliberal – o desenvolvimento de uma ofensiva do capital na produção.
É algo que os analistas sociais, principalmente de esquerda, tenderam a não perceber, imersos que estavam em sua “cegueira analítica”, em uma leitura meramente política do processo de luta de classes no país. Eles tenderam a não ver o espaço da produção como um espaço privilegiado da luta de classes e onde a burguesia instaurava as bases materiais para um novo consentimento operário. Na verdade, ocorriam mutações estruturais que produziam impactos relevantes no mundo do trabalho, na própria base de organização sindical da classe operária.
O que consideramos como sendo uma ofensiva do capital na produção atinge categorias assalariadas importantes, tais como bancários e metalúrgicos, base do sindicalismo organizado no país (ALVES, 1996). A partir dos anos 90, ocorrem importantes mudanças organizacionais e tecnológicas nas empresas, impulsionadas pela política neoliberal de abertura comercial. É o que sugerimos como uma passagem para um “toyotismo sistêmico”, cuja característica é promover a debilitação da classe, não apenas em sua dimensão subjetiva, mas objetiva (ALVES, 2000). Por um lado, a captura da subjetividade do trabalho através de uma luta ideológica vigorosa, expressa nos investimentos em estratégias de manipulação do consentimento operário, tais como os Programas de Qualidade Total, CCQ’s etc. Por outro lado, mais cruel ainda, a destruição do coletivo operário, através da terceirização, da descentralização produtiva e do desemprego, uma das maiores marca das políticas neoliberais.
O crescimento do desemprego de massas – com componentes estruturais – num país como o Brasil nos anos 90 foi o golpe de misericórdia num sindicalismo que, apesar da sua vitalidade relativa na década passada, era estruturalmente débil, não apenas no aspecto organizativo, como sempre observaram uma série de autores, mas principalmente no aspecto político-ideológico, em decorrência da pobreza política (e ideológica) dos “intelectuais orgânicos” da classe trabalhadora, uma debilidade histórica que perpassa os comunistas dos mais diferentes matizes a católicos (e trabalhistas) de esquerda.
Portanto, é sob a nova república liberal dos anos 90 e sob a ofensiva do capital na produção, que emergem as debilidades estruturais e históricas do sindicalismo no Brasil, incapaz de ir além de suas limitações políticas, organizativas e estruturais.
Quando dizemos “estruturais”, salientamos os limites intrínsecos à pratica sindical tout court, da luta corporativa, diante de uma situação de avanço do processo de reestruturação produtiva, principalmente numa sociedade capitalista perversa, de um capitalismo dependente e subalterno, onde a hegemonia burguesa ganhou profundas raízes no imaginário social e a esquerda revolucionária sempre teve imensas dificuldades de uma inserção na luta política, ideológica e cultural na sociedade, principalmente em virtude de uma débil socialização da política.
II. SINDICALISMO NO BRASIL NOS ANOS 80: A TRAGÉDIA ECONOMICISTA
A explosão do sindicalismo no Brasil nos anos 80 indica, por outro lado, um complexo de debilidades estruturais, políticas (e ideológicas) que tenderiam a explicitar-se – e a assumir novas proporções – diante do surgimento de um novo (e precário) mundo do trabalho. Por isso, o novo complexo de reestruturação produtiva iria colocar, de modo claro, novas determinações para a crise do sindicalismo no Brasil.
II.1 O crescimento da estrutura sindical: a fertilização do “egoísmo de fração”?
Apesar da explosão do sindicalismo, a maioria dos analistas sociais tenderam a salientar, como uma das principais fraquezas do sindicalismo brasileiro nos anos 80, a estrutura sindical corporativa. De certo modo, ela crescera, mas permanecia com os “pés de barro”, incapaz de contrapor-se às novas provocações do capital que surgiam com o novo (e precário) mundo do trabalho.
É possível discernir algumas das principais características da estrutura sindical no Brasil. Em primeiro lugar, ela é descentrada, fragmentada e dispersa por uma miríade de sindicatos municipais, em sua maioria pouco expressivos e com exígua capacidade de barganha1. A partir de 1988, a nova Constituição favoreceu tanto o aparecimento de novos sindicatos quanto a fragmentação de categorias já organizadas, surgindo inclusive alguns sindicatos por profissão (OLIVEIRA, 1994, p. 503).
Em segundo lugar, a estrutura sindical brasileira é descentralizada, com parcas iniciativas e formas de ação unificadas (apesar da constituição das cen-trais sindicais a partir de 1983).
Em terceiro lugar, ela é desenraizada, em virtude de não ter inserção nos locais de trabalho, sendo uma estrutura externa às empresas. Desse modo, segundo Almeida, “ela tem as limitações de um sindicalismo que, sendo de massas, organiza um contingente minoritário dos assalariados e que está assentado em uma estrutura organizativa em que o poder de comando é fragmentado e centrífugo” (ALMEIDA, 1996, p. 130).
Finalmente, é uma estrutura sindical verticalizada, com imensas dificuldades de articular, numa perspectiva horizontal mais ampla, a organização (e a resistência) da classe, permanecendo vinculada à categoria assalariada. Sob o novo complexo de reestruturação produtiva, que tende a promover a descentralização produtiva, e com a nova (e radical) terceirização, assumindo uma maior intensidade (e amplitude), o padrão de organização vertical encontra sérias dificuldades para instaurar a nova resistência da classe à ofensiva do capital na produção.
Por outro lado, a vida sindical organizada no país ainda é uma experiência compartilhada por um segmento minoritário da classe dos trabalhadores assalariados no país. O Brasil possui uma taxa de densidade sindical modesta, comparada aos países capitalistas centrais2. Mesmo no decorrer dos anos 80, a “década dos trabalhadores”, ocorreu uma pequena queda na densidade sindical no país. Tomando apenas a população urbana, exclusive trabalhadores autônomos, de 1980 a 1985, por exemplo, segundo dados do IBGE, a densidade sindical chegou a cair 0,6% (de 15,8% a 15,2% da PEA). Por outro lado, se tomarmos em conta a população urbana e rural, exclusive a região Norte, a densidade sindical aumentou 3,6% (de 21,9% a 25,5% da PEA), o que demonstra que o grande salto na densidade sindical entre 1970 e 1988 deveu–se essencialmente à expansão do associativismo rural.
É claro que a densidade sindical é apenas um dos indicadores do poder sindical. As características da estrutura sindical brasileira que contribuíram para a visibilidade do poder sindical nos anos 80, e que precisam ser levadas em consideração, foram, por exemplo, a capacidade de mobilização, os recursos materiais disponíveis, as prerrogativas legais – tais como o monopólio de representação e os trunfos políticos mobilizáveis, num cenário de redemocratização política do país, tão mais importantes que o número de associados (ALMEIDA, 1996, p. 13).
Entretanto, o poder sindical nos anos 80 esteve prenhe de potenciais neocorporativos, que iriam se desdobrar sob o novo complexo de reestruturação produtiva. A estrutura sindical descentrada, descentralizada, desenraizada e principalmente verticalizada, seria propicia à metamorfose do “egoísmo de fração” do corporativismo estatal para um neocorporativismo setorial, em que categorias assalariadas tenderiam a preservar a sua institucionalidade sindical no meio da precariedade da classe. É no interior da inércia estrutural do corporativismo de Estado inscrito na estrutura sindical brasileira, que se desenvolveriam as estratégias sindicais de semblante neocorporativo, que procurariam, mais do que transformar, adequar-se à estrutura sindical vigente, inclusive como estratégia de sobrevivência política (principalmente sob o impulso disruptivo do novo complexo de reestruturação pro-dutiva).
1 A dispersão sindical no Brasil pode ser comprovada pelo seguintes dados: após a “década dos trabalhadores” (os anos 80), o IBGE registrou a existência, no país, de 9 118 sindicatos de empregados e empregadores, 4 635 nas áreas urbanas e 4 483 nas áreas rurais.
2 Por exemplo, a densidade sindical, em proporção à população ocupada em 1985 na Itália e Alemanha, era de 41,4% e 38%, respectivamente. Enquanto isso, no Brasil, ela atingia, em 1988, 16,0% (referente apenas à população urbana, exclusive trabalhadores autônomos) ou 25,8% (referente a população urbana e rural, exclusive a região Norte) (ALMEIDA, 1996, p. 131).
II.2 Surgimento (e burocratização) da CUT
A criação da Central Única dos Trabalhadores – CUT, em 1983, é o marco histórico do sindicalismo brasileiro nos anos 80, sendo ela considerada hoje “a mais poderosa em número de entidades a ela filiadas e em capacidade de organização e mobilização dos trabalhadores” (RODRIGUES, 1990 a:39). Segundo Boito, o surgimento da CUT, “uma das centrais mais duradouras e talvez com maior capacidade de mobilização da história do sindicalismo brasileiro”, seria um dado significativo da ampliação e fortalecimento do sindicalismo nos anos 80, cuja repercussão na cena política (e eleitoral), segundo ele, seria dada pela criação e crescimento do Partido dos Trabalhadores (PT) (BOITO, 1991).
Nessa época, por outro lado, surgem as CGT’s, oriundas da CONCLAT, que adotaram, no decorrer da década passada, posições políticas diversas da CUT. Mais tarde, nos primórdios dos anos 90, sob a era neoliberal, surgiria a Força Sindical, central sindical do “sindicalismo de resultados”.
Diz Antunes: “A fundação da Força Sindical (que contou com o apoio de cerca de trezentos sindicatos, duas confederações e vinte federações), no início de 1991, caminha no sentido de consolidar o projeto neoliberal do sindicalismo de resultados” (ANTUNES, 1991, p. 69).
É nos anos 80 que se instaura, de modo pleno, o pluralismo sindical na cúpula sindical no país, o que demonstra o acirramento da luta políticoideológica na direção do movimento sindical no Brasil. Entretanto, é no interior da própria CUT que ocorre o verdadeiro debate político-ideológico no sindicalismo brasileiro, entre socialistas revolucionários e social-democratas (ANTUNES, 1991, p. 83). O seu ponto decisivo ocorre no IV CONCUT, quando é discutido o modelo organizativo da CUT e vence a proposta da CUT-organização e não da CUT-movimento. Acelera-se, desse modo, o que alguns analistas indicam como sendo a “burocratização” da CUT (RODRIGUES, 1994).
Na passagem para os anos 90, sob o novo complexo de reestruturação produtiva, ele tende a se acirrar, quando a tendência política majoritária da CUT, a Articulação Sindical, de caráter social-democrata, passa a incorporar, segundo seus críticos, valores neoliberais (BOITO, 1996, p. 80).
Entretanto, mais do que a incorporação de valores neoliberais, a tendência majoritária da CUT passa a adaptar-se à institucionalidade sindical vigente no país, incorporando a sua inércia estrutural, que, sob o novo complexo de reestruturação produtiva, tenderia a disseminar, como excreção ideológica, um novo tipo de “egoísmo de fração”, ou seja, o neocorporativismo setorial.
II.3 As formas de ser das greves: rumo às práticas neocorporativas?
Observamos, com maior amplitude e intensidade, nos anos 80, o que poderia ser denominado explosão das greves nas mais diversas categorias assalariadas no país – dos operários industriais aos trabalhadores de “classe média”, ou ainda dos trabalhadores da administração pública direta e indireta (no decorrer da década passada, segundo Boito, o Brasil foi uma “espécie de campeão em estatística de greve”). Por exemplo, Noronha comprova, com vários dados estatísticos, a difusão e amplitude das greves de trabalhadores ocorridas no país na última década. Salienta ele: “Em 1978 foram deflagradas 118 greves, e dez anos depois elas passaram a somar 2 188. O número anual de grevistas aumentou sessenta vezes e, entre esses mesmos anos, o número de jornadas não trabalhadas (o indicador síntese de greves) pulou de 1,8 milhão para 132 milhões” (NORONHA, 1991, p.95).
Entretanto, o que é decisivo na análise das greves é perceber não apenas seus dados quantitativos, como é comum ocorrer nas análises sociológicas, mas sim a alteração nas formas de ser das greves (o que refletiria, de certo modo, a mutação das estratégias sindicais no país). Por exemplo, segundo Antunes, as greves assumiram várias modalidades, ou ainda, formas de ser – greves por empresa, greves gerais por categoria, greve geral, greves com ocupação de fábricas. Entretanto, a tendência mais importante refere-se ao aumento das “greves por empresa” em oposição às “greves gerais por categoria”: “A partir de 1980, aumentou o número de paralisações por empresas, chegando a representar 75,5% do total das greves desencadeadas em 1984 e 60,8% em 1985” (ANTUNES, 1991, p. 17).
Para Antunes, o aumento das “greves por empresas” no decorrer dos anos 80 indicava, no seio do movimento sindical brasileiro, o avanço da tendência do “sindicalismo de resultados” (o “sindicalismo de resultados” assumiria uma expressão política clara com a criação da Força Sindical, em 1991). Por outro lado, no interior da própria CUT, sob a era neoliberal, desdobrar-se-ia uma tendência similar, de cariz neocorporativo, com o sindicalismo de participação, que privilegia estratégias propositivas; um novo sindicalismo, cada vez mais defensivo, disposto a incluir, em sua pauta de resistência, a parceria com o capital. Nos anos 90, sob o novo complexo de reestruturação produtiva, tender-se-ia a privilegiar, cada vez mais, as “greves por empresas”, demonstrando o predomínio – inclusive no interior do sindicalismo da CUT – dapolítica do “sindicalismo de resultados”.
O que veio a ser denominado “sindicalismo de resultado” seria, naquela época, contraposto a um “sindicalismo de confronto”. Enquanto o “sindicalismo de resultado” utilizava como eixo reivindicatório a greve por empresa, o sindicalismo de confronto privilegiava as greves gerais por categoria – nos moldes das greves metalúrgicas do ABC, entre 1978 e 1980 – cuja principal característica era o sindicato agir como representante “geral” do conjunto dos trabalhadores e não apenas de suas bases associativas (PIZZORNO, 1976, p. 950-951).
Na verdade, as greves nos anos 80 possuíam um claro sentido de resistência de classe à perda hiperinflacionária, com o predomínio de práticas sindicais de cariz “obreirista”, voltadas para demandas econômico-reivindicativas. Adotava-se, no caso da CUT, uma estratégia de confrontação, caracterizada por uma oposição sistemática às políticas governamentais e pela ênfase na mobilização de massas e na ação grevista. De certo modo, o cenário hiperinflacionário, de crise estrutural do Estado capitalista no Brasil, no contexto de redemocratização política, contribuiu para o predomínio do sindicalismo classista, de massas, de confronto, com as práticas “obreiristas”, seja de cariz socialista ou social-democrata, ocupando maior espaço político (o que veio, de fato, a caracterizar a CUT em seus primórdios).
Em suas análises do sindicalismo dos anos 80, alguns autores elaboraram críticas ao “sindicalismo de confronto”, chegando a salientar que, após uma década de explosão de greves, a situação da classe trabalhadora não mudara “a explosividade das greves dos anos 80 não trouxe alterações substantivas na distribuição de renda entre os assalariados, ainda que tenha evitado maiores perdas para os trabalhadores” (OLIVEIRA, 1993, p. 509).
Para Almeida, o sindicalismo de confronto “revelou suas limitações como um instrumento capaz de assegurar melhorias duradouras para os assalariados representados pelos sindicatos” (ALMEIDA, 1996, p. 32). Ou ainda, diriam Mattoso e Oliveira: “O aumento da mobilização sindical não se traduziu na superação da prática reativo-reivindicativa que certamente constitui um traço definidor da ação sindical em qualquer país, mas que no nosso caso passou a ser o único ponto de referência da ação sindical, indicando a ausência de definições no plano estratégico” (MATTOSO & OLIVEIRA, 1990, p. 119). Os autores salientam também que, a despeito “da maior capacidade de pressão dos trabalhadores, as ações no curto prazo nem sempre resultaram em conquistas: basta observar os resultados da década” (ibidem).
Entretanto, o que esses autores não perceberam é que poderia ter sido pior. O verdadeiro valor político (e moral) das lutas sindicais dos anos 80, na perspectiva classista, consistiu em constituir, pelo menos em seu nível mais elementar, a consciência necessária de classe (e não um mero reconhecimento da legitimidade do papel social dos sindicatos).
A busca de uma consciência necessária de classe pelos setores sindicais mais avançados da CUT e do PT teve o seu ápice – e resultado político – em 1989, com o apoio maciço dado à candidatura de Luís Inácio “Lula” da Silva, da “Frente Brasil Popular”, à Presidência da República3. Portanto, a “explosividade das greves”, “as ações de curto prazo”, “as práticas reativo-reivindicativas” na perspectiva da consciência de classe não podem ser consideradas como tendo ocorrido em vão.
O amplo reconhecimento social do sindicalismo nos anos 80 decorreu de sua prática insubmissa e de confronto. Num cenário de uma economia hiperinflacionária, o sindicalismo da CUT tornouse, na verdade, o principal baluarte de defesa imediata contra as perdas do padrão de vida dos trabalhadores assalariados no país. Foi cultivando a postura reativo-reivindicativa, intransigente e insubmissa, que conquistaram, contra a manipulação da mídia dominante, um espaço na opinião pública (é por isso que em uma pesquisa da revista Veja de julho de 1988, os sindicatos, apesar das dificuldades da conjuntura, eram das instituições que mais desfrutavam da confiança da população brasileira) (MATTOSO & OLIVEIRA, 1990).
A derrota da candidatura apoiada pelo “novo sindicalismo”, nas eleições presidenciais de 1989, significou, em última instância, a derrota do sindicalismo classista, de massas, e de confronto – e, por conseguinte, a derrota política da prática sindical “obreirista” – seja ela de caráter social-democrata ou socialista. É o seu revés político que contribuirá para impulsionar, sob a era neo-liberal, uma nova ofensiva do capital na produção. Sob o novo complexo de reestruturação produtiva, num cenário de desemprego de massa e recessão da economia brasileira, imposta pela política neoliberal, tornar-se-iam claros os limites estruturais da prática sindical de confronto, de tipo classista. Como uma débil resposta política à crise do sindicalismo classista, de massas e de confronto, diante do novo “bloco histórico” instaurado pela era neoliberal (do qual é parte importante o novo complexo de reestruturação produtiva), desenvolvem–se as estratégias sindicais propositivas, de cariz neocorporativo.
3 - Lula, que perdeu a eleição para o candidato neoliberal Collor de Mello, obteve, no 2º turno das eleições, 31 076 364 de votos, ou seja, 37,86% dos votos válidos.
Elas surgem como uma verdadeira capitulação política – e ideológica – do trabalho diante da nova ofensiva do capital na produção.
II.4 Fortalecimento (ou a tentativa de consolidação) das organizações de base: o avanço das comissões de fábricas
O que veio a ser denominado de “novo sindicalismo” nos anos 80 caracterizou-se por uma nova prática sindical, de organização da base, da construção da intervenção operária no locais de trabalho, considerada uma das principais debilidades do sindicalismo brasileiro. Jácome Rodrigues, ao tratar do sindicalismo nos anos 80, observou a “presença significativa” na vida nacional da organização dos empregados nos locais de trabalho, com a denominação de comissões de fábrica, comissões de empresa, conselho de representantes dos funcionários, comissões de garagem etc. (RODRIGUES, I., 1990).
Mas o desenvolvimento das novas organizações de base era, de certo modo, uma necessidade posta pelo complexo de reestruturação produtiva.
A partir do desenvolvimento do processo de reestruturação produtiva nos anos 80, tornou-se claro, para as lideranças operárias das indústrias de ponta no país – tais como a indústria automobilística –, que o campo da produção era um espaço decisivo da luta de classes, com o capital procurando criar (e desenvolver) novos tipos de controle do trabalho.
Seria, portanto, onde o processo de reestruturação produtiva des-pontava com mais vigor, apesar de seu caráter incipiente (e seletivo), que tendiam a tomar impulso, a partir dos anos 80, as experiências de organização nos locais de trabalho.
O surgimento das novas organizações de base vinculavam-se, no entanto, a uma prática sindical de novo tipo, classista, de cariz socialista, que predominava na CUT dos anos 80. Por isso, a bandeira das comissões de fábrica tornava-se estratégica para as mais diversas correntes políticoideológicas do movimento sindical da CUT, que atuavam nas grandes indústrias. Seria nos pólos operários mais organizados, tais como os metalúrgicos de São Paulo e de São Bernardo, que tendeu a tomar corpo um acirrado debate político sobre a função das comissões de fábrica – o dilema político, naquele época, era “participação ou controle?” (CASTRO, 1988). Por um lado, correntes socialistas, que possuíam expressão política no novo sindicalismo, colocavam a necessidade do controle da produção pela classe operária, reconhecendo o campo da produção como um espaço da luta de classes. Por outro lado, parcelas do novo sindicalismo, de cariz social-democrata, salientavam a necessidade de apenas intervir – ou participar – num controle da produção sob a hegemonia capitalista.
Este debate político seria traduzido, mais tarde, na discussão sobre a prática sindical a ser adotada diante do novo complexo de reestruturação produtiva e que demarcaria as linhas político-ideológicas entre setores socialistas revolucionário e socialdemocrata no interior da CUT.
Foram as novas organizações de base, sediadas principalmente no pólo industrial do ABC paulista, que permitiram, ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, ensaiar novas estratégias grevistas que utilizavam os potenciais de controle operário postos pelo complexo de reestruturação produtiva (é o caso, por exemplo, da Operação Vaca Brava, posta com a greve metalúrgica em 1985) (ZILBOVICIUS, 1986).
Entretanto, apesar da explosão do sindicalismo nos anos 80, a estrutura sindical no país ainda preservava, por diversos motivos, a fragilidade no plano organizativo. Continuavam a predominar os “sindicatos de porta de fábricas”, ou seja, sem qualquer acesso aos locais de trabalho e contando tão-somente com as campanhas salariais, os serviços assistenciais e as homologações para atrair os trabalhadores que pretendem representar (OLIVEIRA, 1991, p. 504).
II.5 Ampliação dos espaços de negociação coletiva: os paradoxos das novas relações entre capital e trabalho
Uma das características do sindicalismo brasileiro nos anos 80 é ter ampliado os espaços de negociação coletiva. Numa perspectiva otimista, Barelli ressaltou que os anos 80 “historiam como o sindicato passa a ser interlocutor dos demais setores da sociedade, influindo cada vez mais nas decisões (BARELLI, 1990, p. 12).
A ampliação dos espaços de negociação coletiva seria perceptível principalmente nos pólos mais desenvolvidos do sindicalismo, tais como o dos metalúrgicos do ABC. Surgiram, portanto, o que vários autores salientaram como sendo “novas relações de trabalho”, caracterizadas pelos novos espaços de negociação entre capital e trabalho. O próprio reconhecimento de comissões de fábrica, por exemplo, apontava para um novo tipo de relacionamento entre capital e trabalho, caracterizado, apesar disso, no decorrer da década passada, pelo antagonismo latente (e insubmisso) diante das estratégias do capital (algo que é qualitativamente diverso de uma “convergência antagônica”, como parece ocorrer na década seguinte).
Na verdade, o surgimento de “novas relações de trabalho” foi resultado da prática sindical classista de confronto, de massas, pois, na medida em que se desenvolvia o processo de reestruturação produtiva, era interesse do próprio capital criar um novo tipo de relação de trabalho de cariz cooperativo, adequado às novas exigências das tecnologias microeletrônicas, como demonstra o Programa intitulado Trabalho participativo, implementado pela Ford, em São Bernardo, em 1986 (SILVA, 1990).
Portanto, as “novas relações de trabalho” não eram um fato perene, como alguns autores da sociologia do trabalho parecem analisar, mas sim um aspecto contraditório da luta de classes no país, possuindo, portanto, um sentido ambivalente, ou – diríamos melhor – contraditório: por um lado, representava uma conquista operária, capaz de dar suporte à consciência de classe; por outro, representava uma nova estratégia do capital, ciente do poder integrador da negociação coletiva e da necessidade de uma classe operária participativa, tal como exigiam os novos paradigmas industriais vigentes no mundo capitalista desenvolvido.
II.6 As mudanças (e a conservação) da estrutura corporativista de Estado: o verdadeiro limite do sindicalismo no Brasil?
Foi nos anos 80 que ocorreu um progressivo afrouxamento do controle governamental sobre a vida interna dos sindicatos. A Constituição de 1988 garantiu a autonomia sindical, embora tenha mantido sua unicidade. Na verdade, a mudança (e conservação) da estrutura sindical corporativista no país é mais um fato contraditório da luta de classes, não possuindo portanto um caráter perene, um significado único, tal como parece sugerir uma série de analistas sociais (inclusive de esquerda). A estrutura sindical que surge após 1988 é algo ambivalente – dependendo da correlação da luta de classes, ela serviu para o controle ou para a consolidação do poder sindical. É por isso que, no período de redemocratização política do país, a manutenção da estrutura corporativista no país não impediu a “explosão do sindicalismo” nos anos 80 (FREDERICO, 1993).
As diversas análises sobre o sindicalismo brasileiro nos anos 80 procuraram salientar que um dos principais limites do sindicalismo brasileiro seria, por exemplo, a permanência da estrutura sindical corporativa, oriunda da Era Vargas. Foi sobre ela que se detiveram as várias análises do sindicalismo, salientando sua modificação (e conservação).
Por exemplo, Boito considerava que o principal limite do sindicalismo no Brasil era a permanência da estrutura sindical corporativa de Estado.
Ele observava que, apesar desse “indubitável fortalecimento e ampliação do movimento sindical” no país, não poderíamos considerar tal quadro sindical como sendo uma ruptura com o “passado populista do sindicalismo brasileiro” (o que para Boito seria o verdadeiro limite do sindicalismo no Brasil). Divergindo da opinião de dirigentes sindicais de esquerda e da grande maioria dos estudiosos (Maria Hermínia Tavares de Almeida, José Álvaro Moisés, Francisco Weffort e Ricardo Maranhão), Boito defende que “o populismo ainda está vivo e penetra, de maneira desigual, amplos setores do movimento sindical brasileiro”. Ele procurou demonstrar a persistência, ao longo dos anos 80 e início dos anos 90, da velha estrutura sindical corporativa implantada na década de 1930, “estrutura essa que foi e é o aparelho organizativo próprio e adequado à práti-ca sindical populista e à ideologia populista que lhe corresponde” (BOITO, 1991, p. 46).
Embora o modo de funcionamento e o papel do organismo sindical oficial tivessem mudado bastante na última década, com o “afrouxamento do controle governamental sobre a vida interna dos sindicatos”, Boito salienta que isso não significa que estamos presenciando a crise profunda da estrutura sindical (e de sua superação). E ainda afirma que: “A estrutura sindical não conheceu nenhuma crise ao longo dos últimos anos, e que as transformações pelas quais passou representam não a sua extinção, mas sim a sua reforma, reforma que lhe permitiu sobreviver à crítica ideológica e prática a que foi submetida desde os anos 70” (idem, p. 49). Finalmente, Boito procura enfatizar que a estrutura sindical, mesmo reformada, desempenhava um papel de “limitar e moderar a luta sindical dos trabalhadores” (ibidem).
A ênfase de Boito recai sobre as determinações políticas para explicar o desenvolvimento do sindicalismo no país, e a expressão dessas determinações, no caso do sindicalismo, é a estrutura sindical, entendida por ele como o sistema de relações que asseguram a subordinação dos sindicatos (oficiais) às cúpulas do aparelho de Estado – do Executivo, do Judiciário ou do Legislativo.
E nesta estrutura sindical brasileira, reconhece como elemento essencial “a necessidade de reconhecimento oficial-legal do sindicato pelo Estado” (ou seja, a unicidade sindical, um dos elementos da estrutura sindical brasileira que não mudou após a Constituição de 1988).
Entretanto, após a Constituição de 1988, e sob a pressão do sindicalismo na década passada, a estrutura sindical corporativa passou por uma série de modificações. Desapareceu a tutela do Estado sobre os sindicatos, apesar de ser preservada a unicidade sindical. É por isso que Leôncio Martins Rodrigues, ao contrário de Boito, observava que presenciávamos, na verdade, “o início da crise, aparentemente irreversível, do modelo corporativo de organização sindical e de relação das classes entre si e delas com o poder estatal” (RODRIGUES, L., 1990, p. 22).
Ou seja, para ele, o enfraquecimento do controle governamental sobre as organizações sindicais caracterizaria o declínio de um modelo (ele não fala em “estrutura sindical”) denominado corporativista (pelo menos, corporativismo de Estado). Segundo Rodrigues, a Constituição de 1988, no seu artigo 8º, desferiu “um golpe profundo no modelo corporativo ao impossibilitar a intervenção do Estado nos assuntos internos dos sindicatos”. E até mesmo previu que, mesmo aquela característica que Boito considerava como sendo a essencial da “estrutura sindical” populista – a unicidade sindical – tendia a extinguirse.
Diz ele: “Algumas das pilastras de sustentação do modelo corporativo – como a unicidade sindical, o controle sobre a organização sindical por parte do Ministério do Trabalho, os poderes normativos da Justiça do Trabalho etc. – têm cada vez menos possibilidades de sobrevivência no interior de uma sociedade democrática e urbanizada” (ibidem).
Estaríamos presenciando, portanto, um “sistema híbrido” no qual “a autonomia das organizações sindicais deve conviver com a unicidade imposta por lei, e a liberdade de negociação e a arbitragem, com as funções normativas da Justiça do Trabalho.” Por fim, salienta: “Acreditamos, contudo, que os elementos de natureza liberal acabarão por entrar em choque com os de natureza corporativa num contexto econômico, tecnológico, político e cultural em que os valores democráticos tendem a ser hegemônicos (idem, p. 22- 23).
Ora, o que Rodrigues não percebe é que o esboroamento do corporativismo de Estado tenderia a dar lugar, nas condições em que “os valores democráticos tendem a ser hegemônicos”, a um novo tipo de corporativismo – o corporativismo de mercado, ou o denominado neocorporativismo societal (que, em nosso caso, assume um cariz setorial, principalmente nas condições do novo complexo de reestruturação produtiva).
Mais tarde, Boito iria reconhecer que, ao lado da preservação da estrutura corporativa oriunda da era Vargas, um dos principais limites do sindicalismo sob a era neoliberal seria dado pelo surgimento de um neocorporativismo de cariz societal4.
Nas novas condições do complexo de reestruturação produtiva, o controle do mercado é mais adequado para a integração operária à ordem do capital do que o velho controle estatal. O neocorporativismo societal, vigente sob o novo complexo de reestruturação produtiva, cumpriria, segundo Boito, a mesma função social do corporativismo estatal: a moderação das lutas dos trabalhadores.
Contudo, em sua perspectiva, a passagem de um tipo de controle capitalista “estatal” para um controle capitalista “de mercado” teria como principal (e única?) determinação processos políticoideológicos.
O que implicaria, em nível metodológico, dissolver as determinações ontológico-estruturais da crise do sindicalismo no Brasil, vendo-a apenas como uma crise política (e ideológica) da direção da CUT (e dos sindicatos sob orientação da corrente majoritária de cariz socialdemocrata).
4 Mas, se quisermos ser mais precisos, o neocorporativismo que predomina em nosso país sob a era neoliberal é de caráter setorial (COSTA, 1994).
Essa cegueira analítica das determinações ontológico-históricas do processo de constituição da subjetividade operária é que impede a perspectiva politicista de apreender os nexos essenciais da crise do sindicalismo em nossos dias, que se caracteriza não apenas pelo surgimento do sindicalismo de participação de cariz neocorporativo, como temos procurado salientar, mas pelo enfraquecimento estrutural da eficácia política da prática sindical “obreirista” de confronto com o capital no campo da produção, diante de um novo (e precário) mundo do trabalho.
Mas, se a estrutura sindical corporativa não poderia ser considerada, em sentido absoluto, como o verdadeiro limite do sindicalismo no Brasil, quais seriam as principais determinações sóciohistóricas que tenderiam a comprometer o desenvolvimento do sindicalismo na década seguinte – os anos 90?
III. A CRISE DO SINDICALISMO NO BRASIL NOS ANOS 90: A FARSA CONCERTATIVA
Sob a era neoliberal, ocorreu uma mudança qualitativa na direção social-democrata do “novo sindicalismo”, passando de uma orientação de confronto para uma orientação propositiva5. É o que indica o desenvolvimento de um tipo de “sindicalismo de resultados” no interior da CUT, mais disposto ao diálogo que ao confronto com o capital. É a adoção de um neopragmatismo sindical, com a incorporação do discurso da “concertação social”, que apenas representa uma estratégia política de sobrevivência de parcelas organizadas da classe diante da ofensiva do capital na produção (cujo exemplo clássico é o sindicalismo dos metalúrgicos do ABC).
O sindicalismo brasileiro dos anos 90 tende a não demonstrar a mesma vitalidade política (ou de adesão de massas) da década anterior, apesar de o índice de greves ainda ser significativo: “Nos primeiros anos desta década de noventa, houve queda do número de greves, mas, ainda assim, elas se mantiveram em patamares relativamente próximos aos da média do período mais recente, isto é, a partir de 1985” (NORONHA, 1994, p. 331).
Entretanto, as próprias entidades sindicais reconhecem que entre 1990-1992 decresceu tanto o número de greves como o de grevistas (DESEPCUT, 1993). Uma das principais causas desse decréscimo nos primeiros anos dos anos 90 foi, sem dúvida, a profunda recessão e o desemprego crescente, decorrentes do Plano Collor I, que desarmaram o movimento sindical. Mas não podemos deixar de lado a hipótese de que, a série de práticas inovadoras, de caráter organizacional, na indústria brasileira, que constitui um importante aspecto do novo complexo de reestruturação produtiva, como destacamos antes, e a livre negociação de salários, com a concessão de abonos e antecipações salariais, de acordo com o espírito do toyotismo, tenham colaborado sobremaneira com o recuo das greves. É o que observamos, com maior clareza, após o Plano Real, em 1995, sob o governo Cardoso, no período de crescimento da economia brasileira, principalmente no setor industrial (tal como a indústria automobilística).
5 É claro que, desde o III Congresso da CUT, em 1988, eram visíveis os potenciais neocorporativos no seio do setor dirigente do “novo sindicalismo”. Número de greves no Brasil (1990-1997) Fonte: DIEESE
Pelo balanço das greves no Brasil, de 1990 a 1997, elaborado pelo DIEESE (que trabalhou com médias de janeiro a novembro de todos os anos, desde 1990) percebemos um recuo acentuado sob o novo complexo de reestruturação produtiva, a partir do governo Cardoso. A constituição de um novo (e precário) mundo do trabalho, representado pelo desemprego estrutural e pela precarização de emprego e salários, e a instauração de um toyotismo sistêmico, principalmente nas grandes empresas, contribuíram para o refluxo significativo do movimento grevista (os dados de 1997 são parciais, mas revelam uma queda acentuada das greves – e uma queda ainda maior do número de grevistas).
Se o número de greves ainda se mantém elevado, como percebemos pelo gráfico acima – em 1996, por exemplo, foram cerca de 112 –, por outro lado a queda do número de grevistas demonstra que as mobilizações gerais envolvendo categorias de trabalhadores ou todos os trabalhadores de uma grande empresa tendem a não ocorrer com maior freqüência (o que significa que tendem a predominar as greves por empresa e, de certo modo, a diminuir a greve em grandes empresas, onde é clara a presença do novo complexo de reestruturação produtiva)6.
É nesse contexto de ofensiva do capital na produção que a estratégia de ação sindical, baseada no confronto, tende a ser repensada. Impõe-se, cada vez mais, a necessidade, para os sindicalistas brasileiros vinculados à corrente majoritária da CUT – Articulação Sindical –, de instaurar novos procedimentos de negociação com o capital, inclusive procurando repensar o instrumento da greve, como ocorreu com os metalúrgicos, no Congresso de 1997.
Alguns autores constataram, a partir da década de 1990, a grande transformação político-ideológica do sindicalismo no Brasil. Rodrigues, I. destaca a mudança no padrão de ação sindical da CUT, de um sindicalismo da confrontação à cooperação conflitiva, explicando-a como uma conseqüência inevitável da democratização do país e da burocratização que seria própria de todo sindicalismo (RODRIGUES, I., 1995).
Por outro lado, Boito salienta o que seria a passagem de um sindicalismo de massa e de confronto para um sindicalismo neocorporativo de participação, apontando a trajetória da Central Única dos Trabalhadores (CUT) como exemplar dessa mudança:
“[a CUT,] desde o seu surgimento como movimento de massa em 1978, transitou de um sindicalismo que ‘tendia’ à ação unificada de amplos setores das classes trabalhadoras contra a política de desenvolvimento pró-monopolista e próimperialista do Estado burguês brasileiro – ou, pelo menos, contra a política salarial que era um aspecto fundamental da política de desenvolvimento – para uma ação sindical na qual os diferentes setores das classes trabalhadoras isolam-se em suas reivindicações específicas, desenvolvem uma nova segmentação corporativa, e procuram reduzir as perdas de seu setor particular numa conjuntura de crise, mesmo quando a redução das perdas implica a aceitação ativa da política de desenvolvimento pró-monopolista e pró-imperialista” (BOITO, 1994, p. 23).
Boito refere-se, com certeza, à experiência da Câmara Setorial do Setor Automotivo, levada a cabo pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, no período de 1992-1995. Um detalhe: a participação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC no “acordo das montadoras” ocorreu à revelia da deliberação da Executiva Nacional da CUT.
6 É curioso perceber que a mídia dominante tende a considerar a situação de crise do sindicalismo, em virtude do surgimento de um novo (e precário) mundo do trabalho, no bojo do incremento da prática de captura da subjetividade operária pelo capital, como sendo um avanço histórico das relações trabalhistas no país (PINHEIRO, 1998).
O que permanece central em tais análises do complexo de causalidades das mudanças (e desenvolvimento) do sindicalismo no Brasil é a ênfase nas determinações político-ideológicas em detrimento da análise estrutural do processo de produção capitalista no Brasil, das transformações produtivas no complexo capitalista, de cariz tecnológicoorganizacional, decorrentes do novo padrão de “acumulação flexível”. Desse modo, a transição de um sindicalismo de massa e confronto para um sindicalismo marcado pelo neo-corporativismo e participação, segundo Boito, ocorre, principalmente, como resultado de acontecimentos políticos (de caráter pontual), desprezando a contribuição decisiva de um novo (e precário) mundo do trabalho (que surge com o complexo de reestruturação produtiva) para o desenvolvimento das práticas sindicais neocorporativas no Brasil (por exemplo, segundo Boito, a promulgação da Constituição de 1988 e a vitória da candidatura Fernando Collor de Mello, em 1989, seriam os acontecimentos políticos que incrementaram a tendência à segmentação corporativa, latente em setores importantes do sindicalismo da CUT). A partir do governo Collor, observa ele, as tendências neocorporativas de participação/negociação passaram a prosperar no sindicalismo brasileiro, a começar pela crise de perspectiva política da CUT, decorrente da nova conjuntura político-ideológica no país: a política econômica recessiva, a crise do socialismo e a ofensiva ideológica do neoliberalismo, em escala internacional, atingiram, em cheio, a organização e a luta sindical no Brasil.
É claro que Boito reconhece, na conjuntura brasileira da época, o desenvolvimento de práticas inovadoras no mundo do trabalho, mas apenas enquanto componentes ideológicos da nova situação.
A modernização, concorrência, privatização e abertura ao capital estrangeiro atingiam o desenvolvimento do sindicalismo brasileiro, segundo ele, apenas enquanto valores e idéias, que se fortaleciam, “em detrimento das bandeiras e concepções operárias, populares e antiimperialistas, como luta de classes, reformas distributivas, soberania nacional e independência econômica” (BOITO, 1994, p. 26).
Portanto, sob a ofensiva do capital na produção, o movimento sindical brasileiro é levado não só a repensar sua linha de ação, mas, principalmente, a reconhecer, cada vez mais, os próprios limites intrínsecos da prática sindical convencional sob a mundialização do capital: as corporações transna-cionais tornam-se cada vez mais ágeis e capazes de desconstituir os obstáculos de resistência do sindicalismo organizado, seja através das inova-ções organizacionais e tecnológicas, seja através da descentralização produtiva.
Pode-se dizer que existe uma crise do sindicalismo no Brasil, cujo principal sintoma políticoideológico é, por um lado, o desenvolvimento do sindicalismo neocorporativista de participação e, por outro lado, a ineficácia estrutural das estratégias sindicais “obreiristas”, de confronto, intrínsecas ao sindicalismo de classe. Na verdade, a crise do sindicalismo no Brasil é, na atual situação, o resultado político-ideológico da crise do mundo do trabalho (de caráter estrutural e não apenas conjuntural), caracterizado pelo surgimento de um novo (e precário) mundo do trabalho.
É devido à crise do sindicalismo no Brasil diante do novo complexo de reestruturação produtiva que alguns autores, que, na década passada, salientaram a “explosão” do sindicalismo no Brasil, mantêm-se, hoje, numa posição de interrogação sobre os rumos do sindicalismo no Brasil. É o caso, por exemplo, de Antunes, que, centrando-se ainda na dimensão político-ideológica do sindicalismo no país, reconhece, apesar disso, em 1993, os enormes desafios estruturais postos pela lógica do capital para o sindicalismo de classe no limiar do século XXI. Diz ele: “Como é possível pensar numa ação que não impeça o avanço tecnológico mas o faça em bases reais, com ciência e tecnologia de ponta desenvolvida em nosso país? Como é possível um caminho que recupere valores socialistas originais, verdadeiramente emancipadores? Que não aceite uma globalização e uma integração imposta pela lógica do capital, integradora para fora e desintegradora para dentro? Como é possível, hoje, articular valores inspirados num projeto que olha para uma sociedade para além do capital, mas que tem que dar respostas imediatas para a barbárie que assola o cotidiano do ser que vive do trabalho?” (ANTUNES, 1993, p. 91).
Por outro lado, Leôncio Martins Rodrigues, a partir de uma perspectiva liberal, reconhece os desafios postos pelo novo cenário do capitalismo global (no qual o Brasil está integrado), e afirma que “as lideranças sindicais brasileiras deverão, se estivermos certos, preparar-se para atuar num cenário novo e instável que lhes coloca muitos desafios numa conjuntura econômica particularmente difícil”. Finalmente, conclui: “a mesma flexibilidade que se impõe aos empresários ante os requisitos trazidos pelas novas tecnologias e mudanças gerais do mercado impõe-se às lideranças sindicais” (RODRIGUES, L., 1990, p. 40).
"Giovanni Alves (giovanni.alves@uol.com.br) é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Professor de Sociologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Marília. É autor de Trabalho e mundialização do capital (Práxis, 1999) e O novo (e precário) mundo do trabalho (Boitempo, 2000)".
A última observação de Rodrigues pode indicar que, diante das transformações estruturais na economia e na sociedade capitalista, no limiar do século XXI, o sindicalismo no Brasil tenderá cada vez mais a incorporar, para si, a lógica do capital.
Ou seja, perder os seus vínculos históricos com o movimento social de contestação à dominação capitalista (o que já ocorre nos principais países capitalistas desenvolvidos).
Recebido para publicação em 8 de fevereiro de 2000.
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